Isa

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Santo André, agosto de 2004

- Isadora Santos! Você está encrencada mocinha!

A mãe de Isa estava furiosa pelo horário que a filha estava chegando em casa. Isa não era uma má filha, e nunca havia lhe dado trabalho, talvez por isso aceitasse alguns atos de rebeldia, mas ela já estava passando do limite.

Isa bateu a porta, seus olhos verdes escondidos atrás de camadas de maquiagem escuras fitaram os de sua mãe.

- A mãe, tava por aí...

- Você tem noção das horas?! Quer me matar de preocupação?! Tô com a janta pronta desde a novela te esperando pra jantar e você não se dá nem o trabalho de me avisar! São onze e meia da noite!!

- Calma mãe, eu tava na Má. A gente estava assistindo um filme de terror que ela pegou na locadora. - Respondeu Isa se defendendo. - Pode ligar pra Dona Neuza e perguntar.

- Hum.... Sei.... Amanhã dou uma ligada pra ver se vocês não deixaram a cozinha dela uma zona, igual a bagunça que vocês deixaram na minha semana passada. - Dona Cleide era muito boa em expressar os sentimentos, principalmente a preocupação - Não me deixe mais preocupada desse jeito, dá uma ligada pelo menos.

Isa olhou para a sua mãe, tinha sorte em ter uma mãe assim, era amorosa e carinhosa do jeito dela, com todos os palavrões e gritos, mas era a melhor mãe do mundo.

- Tá mãe, eu ligo da próxima vez.

- E o filme, era bom? - Perguntou Dona Cleide apaziguando a situação

- Ô... Era um de zumbis, Madrugada dos Mortos, a parada era doida, muita gente sendo comida. Ha ha ha ha !!! Eu queria ter ido ao cinema pra assistir quando lançou no começo do ano. - Isa riu quando lembrou da cara da Má ao ver as primeiras mortes.

- Já falei que não quero você assistindo esses filmes, depois fica aí, tendo pesadelos.

- Ai mãe, lá vem a senhora de novo. Eu já cresci viu! Tenho 14 anos.

- E a senhorita fala como se tivesse 21, me poupe Miss Adulta e vai tomar banho pra tirar esse piche da cara. Ah! Depois desce e come alguma coisa!

- Não é piche Mãe, é o que me deixa linda! - Falou Isa enquanto subia para o seu quarto. - Boa noite mãe, eu te amo.

Dona Cleide sorriu, seu falecido marido Osvaldo estaria orgulhoso dela, uma lágrima rolou de seu rosto. Osvaldo era um bom homem, sempre preocupado com a família, e muito amoroso com a filha, mas um acidente fatal no trabalho levou para sempre o homem que tanto lutou e cuidou da família.

- Estou conseguindo Val, estou criando nossa menina. - Disse para si mesma ao apagar a luz da cozinha e ir se deitar.

Moravam as duas numa casa no bairro Jardim Irene em Santo André, uma cidade grande e bem desenvolvida, vizinha a São Paulo. Dona Cleide e seu falecido marido, Seu Osvaldo, haviam comprado aquela casa num golpe de sorte décadas atrás, e mesmo depois da morte de Seu Osvaldo, Dona Cleide nunca pensara em vender a casa. O bairro ultimamente não era um dos mais seguros, mas tinham que confiar em Deus e agradecer o que tinham.

Isa era uma menina linda, gostava de Rock, e se vestia como tal, se via como uma adolescente revolucionária dos anos 2000. Adorava chamar atenção na escola com seu cabelo encaracolado castanho claro, e é claro, sempre usava maquiagem, se inspirava bastante na cantora canadense Avril Lavigne na hora de se vestir. Gostava de ouvir Blink-182, Ramones, Green Day, entre outras coisas.

Dona Cleide adorava ver a vida brilhando pelos olhos curiosos da filha, e a cada descoberta eles brilhavam ainda mais. Ela era o principal motivo de suas orações, pedia a Deus que lhe orientasse, que lhe desse sabedoria para direcionar a filha para as escolhas certas. Sabia que era abençoada por ter uma filha linda, doce e mesmo que as vezes Isa fugisse do controle, responsável. Dona Cleide dormiu entre suas orações e pensando em sua preciosa filha.

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- Bom dia mãe. - Disse Isa bocejando para sua mãe.

- Bom dia dorminhoca, isso lá são horas de acordar, vai se atrasar para a escola. - Dona Cleide preparava a mesa para o café da manhã - Trouxe pão fresquinho, come logo pra não se atrasar.

- Eu já estou atrasada mãe, eu entro na segunda aula.

- Tá, tá.... Toma logo esse café. Eu vi a Neuza na padaria, ela falou da zona que vocês fizeram ontem e eu prometi que você vai lá hoje para ajudar a lavar o quintal, só pra compensar. Onde já se viu, bagunçar e não arrumar!

- Eita mãe, eu saí correndo porque eu sabia que se eu ficasse pra arrumar, a senhora ia me matar! - Isa tentou se explicar.

- Mas não matei né? Então assim que voltar da escola a senhorita vem pra casa, almoça e vai pra lá ajudar.

- Ai que saco! - Falou Isa baixinho.

- Ai o quê Dona Isadora? - Esbravejou Dona Cleide.

- Nada mãe, nada. - Respondeu Isa. - Bom, tô indo pra escola, tenho prova de matemática hoje.

Isadora levantou se da mesa, pegou a sua mochila, abriu a porta e saiu. Assim que chegou do lado de fora, voltou correndo para cozinha, abraçou a sua mãe bem forte e disse:

- Mãe, eu te amo... A senhora é a melhor mãe do mundo!

Dona Cleide ficou quase sem reação, sua filha sempre que ia para a escola, lhe dava Tchau da porta e saía. Retribuiu o abraço, olhou dentro dos olhos verdes da filha e falou:

- Eu te amo muito mais, não se esqueça nunca disso, sempre vou estar aqui pra você.

Isa colocou o seu fone de ouvidos e saiu, a escola que estudava não ficava tão longe e sempre cobria a distância em no máximo 15 minutos a pé, ouvia Oasis no discman que havia ganhado de aniversário.

"Slip inside the eye of your mind

Don't you know you might find

A better place to play

You said that you'd never been

All the things that you've seen

Will slowly fade away"

Desceu a Rua dos Ciprestes, ouvindo a música e prestando atenção em como aquele dia estava diferente. As cores mais vibrantes, o sol subindo aos poucos no céu trazendo um calor delicioso de sentir na pele, ao mesmo tempo que a brisa gelada da manhã batia em seu rosto.

"Gonna start the revolution from my bed

'Coz you said the brains I had went to my head

Step outside 'coz summertime's in bloom

Stand up beside the fireplace, take that look from off your face

'Coz you ain't ever gonna burn my heart out"

Isa olhou para o céu azul, sentindo dentro do peito aquele infinito, aquela maravilhosa sensação de ser parte de um todo. Fechou os olhos, sentindo o sol, a brisa, ouvindo os sons dos pássaros sendo abafados pela música. Um som diferente a trouxe de volta para a realidade, o último som ouvido por Isa. Um motorista descia a ladeira com o seu carro desgovernado, não conseguiu frear e bateu em Isa, a jogando a quase 6 metros de distância. O último som que Isa ouviu, foi o pneu do carro contra o asfalto.

O fone de ouvido de Isa ainda reproduzia a suave melodia.

"So Sally can wait

She knows it's too late as she's walking on by

My soul slides away

"But don't look back in anger, don't look back in anger"

I heard you say, "at least not today"

COMPLETO - OS LEGADOS DO SOL E DA LUAOnde histórias criam vida. Descubra agora