Um.

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Debaixo dos meus pés existiam placas de concreto pesado, o prédio era abandonado, a pedra áspera estava esverdeada de musgo, todo o cômodo era úmido devido às infiltrações de água vindas da laje do andar de cima. Estava chovendo, uma tormenta que abalava as poucas janelas que ainda possuíam vidro. Minhas vendas foram tiradas e essas foram as primeiras coisas que eu vi. Com isso, você pode julgar o que deve estar acontecendo comigo.

Isso mesmo, estamos brincando de cobra cega em um prédio abandonado. Brincadeira! Eu que brinquei com você. Se eu fosse você, eu fecharia os olhos perante a realidade que irei contar. Mas só seus olhos podem testemunhá-la. E eu preciso que você veja e saiba o que está acontecendo. Você é minha última esperança de que saiba qual será meu destino daqui para frente. Não existe mais nenhum poder ao meu alcance. Onde estão os heróis? Onde estão os salvadores da nação? Os pega-bandidos, onde estão?

Onde eu estou? Essa é a pergunta principal. Em um prédio abandonado e com condições precárias, óbvio. Um relâmpago recepcionou meus olhos que estavam tentando se acostumar com a escuridão, isso os fez se adaptarem ainda mais lentamente. Era noite. Os relâmpagos deixaram de atrapalhar e tornaram-se cruciais. Eu tinha milésimos de segundo para olhar ao redor e ver se eu podia encontrar qualquer coisa que me desse alguma orientação.

Nada. Nem placas, nem pichações — o que é particularmente estranho —, talvez tivessem teias de aranha amedrontadoras. Havia poeira e lixo sobre as placas de concreto no chão, e em grandes blocos quadrados elas iam se dividindo até chegarem às paredes que estavam ao meu redor. Largas paredes. E distantes. Muito distantes. O andar inteiro era vasto e vazio, não possuía qualquer tinta ou azulejo. Completamente cinza, exceto pelos musgos, ou pelas teias de aranha, ou pelas janelas com ou sem vidro. Existiam algumas pilastras também. Elas eram quadradas e grossas, felizmente. Existia um buraco para a escada e também uma escada que dava para cima, provavelmente para a laje, porque sobre minha cabeça existia gesso branco — esqueci de te contar.

E não posso me esquecer: existiam três figuras que estavam de pé me observando, paradas. Vestidas de preto dos cabelos até os pés, imóveis. Eu podia sentir a respiração pesada de cada uma delas, menos da terceira, que parecia extremamente calma. Calma demais para mim. Elas não tiravam os olhos de mim. A venda que estivera sobre meus olhos agora está pendendo sobre a mão de uma dessas figuras. Essa venda balança num braço forte, caído. Os dois braços estavam assim. As outras duas figuras mantinham-se de braços cruzados, intimidadoras.

Trovões retumbaram, um relâmpago brilhou sobre os olhos destas figuras. Era a única coisa que eu podia ver nelas. Pelo menos eram humanos. Eu deveria agradecer?

A figura que segurava minha venda com a mão esquerda possuía outra coisa preta sobre a mão direita. E ela ergueu este segundo braço na minha direção e começou a falar.

— Luther, chegamos ao ponto final. Você sabe o que faremos. Você sabe o que você fez — a voz era grossa, era de um homem. Eu a reconheci. A voz de Ismael.

Eu movi meus lábios para responder algo, mas percebi que minha garganta estava muito seca, e mesmo que não estivesse, eu não soube o que falar, e mesmo que eu soubesse, Ismael prosseguiu de onde havia parado. A arma cintilou quando um relâmpago bastante intenso invadiu o andar de musgos e teias.

— Não há escolha, você sabia do acordo. Você o quis. Todo o grupo concordou, sabemos da força da sua palavra — ele tremeu o tom em um rápido momento. — O senhor intitulou as regras.

Não posso explicar agora, mas eu balancei a cabeça levemente que sim. Eu sei do que ele está falando, mesmo que minhas memórias estejam embaralhadas e o conceito de tempo pareça distante.

— Tem alguma última declaração? — o dedo de Ismael tremeu sobre o gatilho.

E eu tinha, eu disse:

— Jair Cobalto... vai se foder pela liberação de armas.

— São essas suas últimas palavras? — uma das figuras de braços cruzados riu, a mais alta. Uma voz feminina, era Perla.

— Muito bem, tenho mais uma, mas minha garganta está seca... — continuei.

— Você poderá beber da água do outro lado. Além do mais, um corpo morto não sentirá falta — a terceira figura quebrou seu silêncio. Era Eliot. Eliot!

Minhas mãos estavam amarradas, eu estava sentado sobre o chão gelado de pedra e larguei a força da minha cabeça e me inclinei para baixo, me recusando a ver qualquer coisa. Eu estava nervoso, não deveria ser assim. Isso não é bom.

— Que tudo seja melhor com o saber que passeia.

E, como em uma seita ou uma missa, ou uma oração, um hino, uma música ou qualquer coisa humana que se repita a mesma frase por algum motivo — todos juntos —, Eliot, Ismael e Perla repetiram o que eu disse.

Que tudo seja melhor com o saber que passeia.

Um leve brilho saiu do meu lado, no chão, como se alguma luz virada para baixo estivesse tentando escapar. Era um celular. Era o meu celular, porque ele começou a tocar e eu sei como é o som do meu toque.

— O violino — Eliot disse, como se tivesse entendido tudo. Ele conhecia bem o toque, não só do celular. Outros toques.

— Está na hora — Perla deu um passo para atrás e isso foi um sinal para Ismael.

Um novo brilho fugaz iluminou o pátio, mas não foi um relâmpago. Contudo, o som do trovão veio, mas mais artificial, agudo e estridente, não retumbante e majestoso e imponente. Mas, mesmo assim, era assustador. Eu pude ouvir, pude ver sobre o chão o resquício da luz amarelada da faísca da pequena explosão, e a bala partiu em tempo irracional e uma dor mais rápida do que isso me atingiu. Então não senti mais nada.

Nada. E sentir nada é sentir algo, não é?

LUTHER | Temporada 1Onde histórias criam vida. Descubra agora