Dois.

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A melodia do violino tocou, minha pele se arrepiava por inteiro, os pelos se eriçavam. Até mesmo minha boca salivava mais, meu coração batia mais forte, meus ouvidos pareciam esquecer tudo à minha volta e meus olhos tinham vontade de chorar. Não por tristeza, nem de extrema alegria. Eles queriam chorar por beleza, como se aquilo fosse a coisa mais ancestral do mundo. Eu podia sentir isso...

A melodia do arco contra as cordas em magnificência era acompanhada de uma voz calma e doce que saia do meu celular — sim, não é uma vitrola, um toca-discos ou qualquer coisa chique antiga, mas um celular continua sendo chique e sofisticado para tocar música, não é? Ou eu deveria usar uma caixinha de som que alterna luzes nas cores do arco-íris? — e a voz de Emilie Lutifier amolecia minha alma.

Sobre o chão caem as pérolas

Aquelas vindas do mar

Aquelas tiradas das conchas

Que você veio me dar

E as pérolas brilham serenas

Será que valeu a pena

Das conchas você me tirar?

Ahhh...

Sussurros de um amor profundo

Mergulhados no submundo

Vindas da luz do luar

E como grãos de areia

Que cintilam como uma teia

O colar veio a se quebrar

E as pérolas no chão caíram

Assim como meu amor por ti

Você grita aos meus ouvidos

Não quero ficar mais aqui

Porque você, meu bem

Junto a eu somos ninguém

E que assim seja

É o que você deseja

E eu pensei:

Ah, Emilie. A senhorita é a pérola do mundo, o melhor ser vivo que se revelou nessa década de 30.

— Por que essa choradeira a essa hora?

Ótimo. A estraga-prazeres. A dona da balbúrdia e do descontentamento global. O anticristo fêmeo, o pecado em carne, osso e flacidez. E rouquidão! O desprazer de todos os seres, o colar caído e espatifado no chão dessa década de 30.

— O que a senhora está fazendo aqui, Agnes?

— Música triste esta hora, Luther? — ela disse e eu me virei para encarar Agnes, uma senhora de setenta e nove anos, mas que parecia ter quinhentos e cinquenta. Uma mulher amargurada, um ser de puro ódio e rancor por tudo, a qual também tira a magia de todos os seres ao seu redor. E eu não estou brincando. Não mesmo! Tenho imenso respeito por todas as pessoas, principalmente aos mais vividos, mas ela parece não ter vivido nada, parece ter sido uma praga criada, não só ruim agora como idosa, mas desde que chorou pela primeira vez e poluiu os ouvidos de quem quer que tenha feito o parto dela. Coitada de sua mãe, imagino. E ela voltou a falar. — Eu não mereço estar sozinha e triste, essa música polui a terra com tristeza. Alegre-se! Alegremo-nos! Eu estou velha, preciso aproveitar a vida que me resta, você é jovem, viva enquanto pode! Para quê ouvir estes lamentos e sussurros a esta hora? Já sei de onde os jovens tiram tanta depressão...

Às vezes eu perco o respeito comigo mesmo e com minha promessa de ser alguém melhor sempre. E aí acontecem cenas como a seguinte.

— Todo dia isso, vó?! Por favor, me deixe em paz! Nem tudo que é calmo é triste! Para viver a vida não se precisa de açúcar a mil por hora a todo instante, eu posso viver muito mais que a senhora só ouvindo essa música. Muito mais do que dar um giro mortal ou pular de paraquedas, acredite.

LUTHER | Temporada 1Onde histórias criam vida. Descubra agora