Cinco.

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Acordei com o som de música sertaneja tocando no volume máximo do quarto de Agnes. Vagabunda, pensei. Mas também achei engraçado, ela sabia se vingar como ninguém. O violão se destacava entre tudo, talvez ela tenha escolhido a dedo cada uma das músicas. Quando mais violão, melhor, e meu corpo estremeceu de raiva e agonia. Preciso sair dali.

Minha mochila estava arrumada, assim como eu. Apenas disse que iria à praia e ela não se importou. A última noite não teve sonhos, então comecei a aceitar que era só um surto por minha parte. Algo comum de se ver. Coloquei meus fones de ouvido e entrei em uma van que passeava pela capital. Dessa vez eu estava ouvindo outras músicas. Sim, eu não vivo só de Emilie Lutifier, mas você deve saber como é ter um momento que praticamente sua semana inteira se dedica apenas a um artista. Emilie era uma das poucas que ainda lançava música nesses tempos. Nem os maiores hits da última década estavam participando mais disso. Os aplicativos de música acabaram, porque muitas delas eram impróprias. Isso era inviável ao governo. E tudo foi apagado.

Mas sempre existe uma salvação, e muita gente ainda tinha músicas baixadas no celular do jeito convencional — pirata. Então foi criada uma espécie de mercado clandestino de música. Isso mesmo. E no meu celular, em uma pasta privada com senha, eu tinha Dua Lipa, The Weekend, Ariana Grande e muitos outros, mas tudo tinha que ser disfarçado. Então eu colocava outros nomes nos artistas. Então, quando a polícia confiscava meu celular, eu poderia estar ouvindo Dalila Louvor, ou Tobias de Fé, ou Adriana do Senhor. Amém?

Mas meu celular não era dos melhores e eu não tinha tantas músicas. Muitas eu já tinha enjoado, mas seria um crime apagá-las. Eu precisava encontrar alguém que pudesse trocar faixas, então eu daria as minhas e essa pessoa me daria as dela. Depois trocaríamos mais e mais. É claro que Dalila, Tobias e Adriana todos tinham, eles foram os últimos hits antes que os luxos acabassem. Então encontrar alguém que tinha indie, por exemplo, era encontrar uma mina de ouro, se você gosta de indie, é claro. Artistas menores eram mais difíceis ainda, e artistas que foram mortos eram os piores de achar.

Desci da van, escondi os fones de ouvido e bati na porta da casa de Jonas. Eliot chegou bem atrás de mim e ficamos conversando por um tempo sobre música e fazendo piada com os nomes artísticos falsos que muitos de nós criávamos para eles. Jonas abriu a porta com sua roupa de praia, como sempre, e o resto do pessoal desceu entramos no carro da família dele, que era deveras grande.

Já fazia um longo tempo que eu não ia a praia e via o mar. Isto é, se eu não contar o sonho. Mas estar no sonho não era estar presencialmente em uma praia, mesmo que a textura da areia estivesse marcada na sola dos meus pés. Isso era estranho, me incomodava, me afligia. Preciso ser mais normal, menos preocupado, menos surtado. E eu nem fumo, nem bebo, nem vejo animes!

— Todos vocês estão lindos hoje — Jonas disse sorrindo enquanto observava o reflexo de cada um pelo retrovisor acima de sua cabeça. Bruno estava do lado dele, nos bancos de trás estavam eu e Carlos, e mais atrás estavam Perla e Eliot. A família de Jonas já tinha partido mais cedo, o que nos favoreceu espaço e tranquilidade para ficarmos livres a tagarelar.

— Todos nós — Perla respondeu lá do fundo. — Podemos tirar muitas fotos.

— E postar onde? — Carlos riu amargamente.

— Ainda podemos fazer álbuns de fotos. Do jeito clássico, sem nada de curtidas, apenas nostalgia compartilhada.

— É uma ótima ideia — Jonas respondeu, observando atentamente na rua.

— Ainda fazem isso? — Eliot perguntou, usando seu celular. Ele estava com uma camisa preta de tecido muito leve. Eu podia ver seu corpo por trás dele.

— Conheço um lugar que fazem — Perla respondeu imediatamente. Ela estava de biquíni, mas meio que uma tanga fina ainda a cobria.

Parei de prestar atenção na conversa e foquei os olhos na janela ao meu lado. Os prédios foram passando e observei os arranha-céus de vidro e concreto, as lojas, as pessoas, os carros, a poluição, o lixo. O céu quase imperceptível e longe e tampado por sombras e espelhos e fumaça, os animais de rua, os moradores de rua, os políciais, muitos guardas deles, os políticos, as poucas árvores, as poucas praças, os poucos gestos, o pouco dinheiro, a excessiva quantidade, a pouca demanda. Senti o cheiro também, e o som, e até o gosto das coisas enquanto passava e me distanciava de tudo aquilo. E seguimos rumo ao interior, as pequenas florestas, as poucas árvores, a pouca terra que se mostrava com grama, algumas pequenas fazendas, com pequenas casas e pequena gente bem longe, lá no fim do horizonte. Então apareceram os coqueiros e o cheiro da maresia, o calor abafado, o vento quente e ao mesmo tempo refrescante, o céu azulado com nuvens brancas, a espera ansiosa para tocar a água do mar, que pelo menos ainda era limpa. A ansiedade pela água de coco, pelo protetor solar, pelas risadas e bebidas e a paz do filete de praia particular da família de Jonas, o calor humano e o calor do sol escaldante, mas não para tanto. O violino as vezes me fazia deixar as coisas mais expressivas, tanto para bonitas quanto para feias. E eu quase dormi nesse percurso longo. Alguns dormiram, as conversas cessaram e todos apreciaram o momento leve do carro recortando o asfalto com leves tremeliques. A sensação de descansar em uma rede que se meche até a praia. Então chegamos.

LUTHER | Temporada 1Onde histórias criam vida. Descubra agora