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O espaço vago entre as duas moças tornou-se um amontoado de tensão. O clima ficou estranho, como se elas se conhecessem de longa data. Talvez o vento tenha sido o grande fator para que aquele momento se realizasse. Assim que a figura pálida de Aleyna surgiu através da  porta, a brisa fez com que o cheiro de seus cabelos balouçasse sem pudor até as narinas de Agnara, que instintivamente fechou os olhos e depois os abriu vagarosamente, espreitando a imagem graciosa da moça à sua frente. Estava certa de que a vira ao longe, em algum momento. Mas face a face, algo naquele rosto meigo e naquela pele tão alva parecia irreal.

— O que houve, Kristofer? — Maat questionou.

— Estávamos na floresta... caçando. Trombei com essa moça sem querer, ela se machucou. Pode aujudá-la?

— Claro, foi o pé? — questionou o curandeiro, enquanto as duas moças ainda se encaravam sem dizer nenhuma palavra.

— Sim. Acho que torceu — respondeu o rapaz.

— Aleyna, leve-a para o quarto de Elissa — ordenou Maat. — O quarto de cura está muito sujo.

— É claro, papai. — Aleyna olhou para ele e depois caminhou até a jovem. — Venha, se apoie em mim. — Ela arqueou as costas e ajudou a garota a caminhar com dificuldade até o interior da residência.

— Eu já vou, Cereja. Acomode a menina — pediu o mais velho, esticando o pescoço na direção da casa.

— Cereja? — questionou Agnara. — É o seu nome?

— Não. — A jovem sorriu antes de pôr o pé direito no primeiro degrau. — Eu me chamo Aleyna. Cereja é por causa do cheiro dos meus... cabelos.

— Ah. — Agnara deu um sorriso e contraiu a face.

— Está doendo muito?

A moça assentiu.

— Vamos, eu te ajudo a subir. Eu vou contar até três e você pula, está bem. Eu te seguro. — Aleyna segurou firme no braço de Agnara e respirou fundo. — Pronta? Um, dois, agora!

A mocinha sentiu que estava sendo amparada a conseguiu subir o primeiro degrau sem muita dificuldade.

— Outra vez. Um, dois, três!

Mais um degrau fora vencido com a ajuda de Aleyna. As duas demoraram algum tempo até conseguirem chegar ao topo das escadas.

— Aleyna.

— Elissa, a nossa amiga vai ficar um pouquinho no seu quarto, não se incomoda, não é? — perguntou à irmã, que deu um sorriso canhestro e balançou a cabeça em negação.

— Pode sentar na minha cama — disse a pequena à moça, enquanto a irmã mais velha a levava cômodo adentro.

— Obrigada.

Aleyna ajudou a garota a se acomodar, depois pôs o pé fraturado sobre uma espécie de banco de madeira.

— Como se chama?

— Agnara — respondeu a jovem.

— Seu cabelo é bonito. — Elissa esticou o e braço e tocou nos fios claros e ondulados.

— Tenha modos — Aleyna advertiu a irmã.

— Não tem  problema. — Agnara puxou um pouco das vestes que usava. — Acha que está muito ruim? — perguntou a Aleyna, que estava de pé.

— Bom, meu pai poderá dizer com mais certeza, mas não me parece ser grave. Fique tranquila. — A face da jovem de cabelos castanhos estampou um sorriso amável. — Tem alguém que quer que chame? Eu posso ir até sua ca...

— Não! — Agnara percebeu que fora rude demais na rejeição e soltou um gemido de dor para disfarçar, antes de prosseguir: — Minhas tias não sabem que eu estava na floresta, elas me matariam — mentiu, precisava convencer Aleyna de suas palavras.

— Não se preocupe, então. Depois damos um jeito. Vou pegar um chá para esquentar os seus ossos, já volto. — A moça estendeu a mão à irmã mais nova. — Venha comigo, Elissa. Vou precisar de ajuda.

Agnara observou as duas deixarem o quarto, ela não acreditava no que seus sentidos lhe apontavam. Sabia que a filha da profecia carregaria um sinal, e ela nunca havia visto ninguém com um aroma tão peculiar. Era perceptível que não era nenhuma erva, o cheiro parecia se renovar a cada passo de Aleyna, como se saísse de seus poros.


Lúrido Veneno - A ilha profanaOnde histórias criam vida. Descubra agora