Só então o sacerdote foi capaz de perceber algo reluzente caído ao lado dela. O formato triangular encaixava-se no suporte com o formato exato dos dedos das mãos, parecia afiado.
— Mas... ela me disse que...
— O senhor não é muito experiente, não é? — perguntou o marido, estendendo a mão direita para o padre. — Anda, levante daí — insistiu, vendo que Rudolph oferecia resistência.
Percebendo que as chances de aquele indivíduo ser verdadeiro em suas palavras eram consideráveis, o padre aceitou a ajuda para se reerguer. Assim que se colocou de pé, ele bateu as mãos nas calças e ajeitou as vestes. Não parava de encarar a imagem desfalecida de Justice.
— O senhor me ajuda a levá-la lá pra cima?
Rudolph assentiu. Sem muitas cerimônias, levantaram-na do chão. Era notável que o peso daquela moça parecia irreal. Uma mulher franzina, de estatura mediana, não poderia ter todo aquele efeito exercido pela gravidade. Com algum custo, subiram as escadas, e o homem guiou o sacerdote até um quarto no fim do corredor. Tamanha foi a surpresa de Rudolph ao pôr o primeiro pé dentro do cômodo. Os tons de rosa pastel estavam presentes em tudo: nas paredes, nos móveis, nos lençóis. Havia alguns brinquedos jogados pelos cantos e um urso sorridente dava o toque final, pendurado na parede ao lado do guarda-roupa, deixando aquele lugar estranhamente doce e sombrio.
Eles colocaram-na com cuidado sobre o colchão. Apesar de todo o ocorrido, o esposo parecia tranqüilo, como se aquilo fosse comum para ele. O padre temia que fosse.
— Ela sempre fica aqui? — perguntou Rudolph.
O homem, que estava fechando a janela de vidro forçando-a para baixo, balançou a cabeça em afirmação. Em seguida, guiou o padre até o lado de fora e trancou a porta, deixando a moça presa no interior do quarto.
— Venha, padre. Acho que precisamos conversar.
— É claro.
Os dois desceram as escadas em silêncio, então se sentaram no sofá e deixaram a tensão se dissipar aos poucos, antes de começarem um diálogo verdadeiro.
— A filha de vocês, onde está? — Rudolph questionou. — Ela presencia esses acontecimentos com frequência.
— Filha? — O homem contraiu a face. — O senhor fala de Meredith?
— A menina da fotografia — explicou.
— O que ela disse?
— Bom, teoricamente, eu disse. Teci um elogio à família de vocês, e Justice agradeceu.
O silêncio do homem, que até então não dissera o seu nome, foi o suficiente para que o sacerdote compreendesse que havia algo de errado.
— Pode me dizer. Eu não vim para julgá-los — falou o padre. — Vamos começar novamente — Estendeu a mão direita —, eu sou Rudolph.
O marido pousou os olhos sobre os dedos compridos do sacerdote e os apertou, ainda com um pouco de receio.
— Oliver — comunicou enquanto sacudia as mãos dadas.
— Ela o machucou antes de me atender — Rudolph pressupôs em voz alta.
— Um minuto de distração na hora de alimentá-la, e ela acertou o prato na minha cabeça. — Oliver levou a mão esquerda até a nuca, mostrando o ferimento causado pela louça.
— Precisa de ajuda hospitalar? — indagou o sacerdote.
— Não — O homem sacudiu a cabeça —, estou acostumado. Depois que Meredith se foi, as coisas ficaram muito estranhas aqui.
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Lúrido Veneno - A ilha profana
HorrorUma ilha perdida, esquecida, uma verdadeira lenda. Não para os seus poucos habitantes. Em meio a acontecimentos completamente inexplicáveis, surge uma profecia antiga. Segundo ela, a filha do mal não tardará a chegar, e todos padecerão sob os seus p...