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— O senhor tem certeza?

— Claro, menina — respondeu Maat, com doçura na fala e nos olhos. — Não foi nada grave. Vai usar as ervas que eu falei e tomar a infusão que Aleyna preparou, durante os próximos sete dias.

A mocinha desviou os olhos para a jovem pálida, que observava a conversa com os braços cruzados, dois passos atrás do pai.

— Eu não sei como agradecer. Não conseguiria chegar à casa de Konevan sozinha — referiu-se ao curandeiro que morava perto da plantação, ao lado de sua casa. — Além disso, aqui tem um ar mais acolhedor.

Ela sorriu de forma envergonhada. Nem com as próprias tias fora capaz de sentir o carinho que recebera durante aquelas horas na morada de Maat.

— Pode voltar sempre que quiser — disse Aleyna.

A moça parecia cada vez mais adorável e solícita. Tão atenciosa que até mesmo as suas pupilas moviam-se com graciosidade. Os lábios levemente avermelhados não pronunciavam uma palavra negativa, sequer. Era quase impossível que um humano fosse tão encantador em seus trejeitos. Não tinha curvas muito avantajadas, e os cabelos, apesar de bonitos, não eram nem de longe os mais sedosos já vistos na ilha. Mas algo naquela donzela era capaz de fazer sua figura tornar-se a imagem perfeita de como os anjos eram comumente descritos. Uma perfeita armadilha. O ser perfeito para ser a trapaça perfeita.

— Obrigada. Aquele rapaz ainda está aí? — questionou ela.

— Kristofer? — Maat perguntou.
O curandeiro mantinha a sobrancelha esquerda arqueada, o olhar sugestivo denunciava o que sua cabeça pensava.

— Isso. Eu só queria saber se ele pode me acompanhar até em casa. — Ela gaguejou. — Digo, meu pé ainda não está muito firme para caminhar.

Aleyna soltou um riso curto e olhou para baixo enquanto o seu indicador dava pequenas voltas pelo cotovelo.

— Ele está lá embaixo comendo maçãs. Disse que iria esperar que nós soubéssemos o que aconteceu com você. — A moça caminhou até a ferida, desviando-se do pai, e abaixou-se perto de sua orelha direita. — Pelo que eu percebi, parecia bastante preocupado — sussurrou. Depois se afastou e deu uma piscadela. — Venha. Eu irei ajudá-la a descer. — A jovem de cabelos negros estendeu a mão e juntou os lábios.

— Eu vou levar Elissa até a casa de Prudence para que lhe faça uma roupa maior. — Maat pôs as mãos nos joelhos e levantou-se do pequeno banco onde estava sentado. — Essas crianças crescem muito depressa. Logo mais vai andar com as minhas túnicas — completou. — Cuide-se. — O curandeiro gesticulou com a cabeça, deu meia volta e deixou o cômodo.

Agnara sustentou-se em Aleyna e com sua ajuda desceu os degraus até primeiro andar. Sua mente estava bagunçada. Ao mesmo tempo, ela pensava em como vivera na ilha por todo aquele tempo sem conhecer um rapaz de presença tão marcante quanto Kristofer. Óbvio que a geografia do lugar, a densidade demográfica e a extensão do trecho terrestre eram fatores cruciais para que essas situações fossem recorrentes, mas sentiu-se incomodada por não tê-lo visto antes. Era como se a vida toda fosse um erro ou, talvez, uma enganação. Queria tê-lo sondado por mais tempo antes de se aproximar, decerto que trombar com alguém em uma corrida na floresta não era a melhor maneira de iniciar uma conversa.

— Ela está bem?

— Eu es...

— Na medida do possível — Aleyna interveio, sacudindo dramaticamente a cabeça para os lados. — Vai precisar de muito cuidado, quiçá nunca recupere completamente os movimentos do calcanhar.

Kristofer arregalou os olhos e aproximou-se delas. Agnara, perdida com as palavras da outra, a encarou assustada e engoliu em seco.

— Eu posso fazer algo para ajudá-la? — questionou o rapaz afoito.

— Leve-a para casa. — Aleyna transpassou o braço da outra sobre sua cabeça e o apoiou nos ombros de Kristofer, que segurou o corpo de Agnara como se fosse um diamante, tamanho era o esmero. — Segure firme em sua cintura e não a solte em hipótese alguma.

— É claro — ele afirmou. — Acompanharei de perto todos os seus passos, não se preocupe — disse, olhando diretamente para a mocinha de fios dourados.

Suas respirações confundir-se-iam uma com a outra se não fosse pelo cheiro adocicado de maçã que provinha dos lábios do moço preocupado.

— Cuide desse pé, me ouviu? — Aleyna piscou rapidamente o olho direito.

Agnara sorriu e, depois de agradecer mais uma vez, deixou o lugar, acompanhada por Kristofer.

Assim que saíram, uma figura veloz e atrapalhada atravessou a sala e saiu pela porta, passos lentos a seguiam.

— Pensei que já tivessem ido — comentou Aleyna, observando a correria da irmã mais nova.

— Eu vi o que você fez — Maat comentou, olhando na mesma direção que ela.

— A culpa, em certos momentos, pode ser uma poderosa poção do amor — retorquiu a moça. — Além do mais, eu não falei exatamente uma mentira. Se ela não se cuidar, pode piorar o machucado e as consequências serão exatamente as que eu citei.

Maat riu.

— Você não tem jeito mesmo. Sempre querendo ajudar as pessoas.

— É o meu dom de curandeira. Aprendi a utilizá-lo com o melhor. — Ela abraçou o pai e afundou a cabeça em seu peito.

Neste exato instante, uma corrente fria percorreu o ambiente e as narinas de Maat pararam de sentir o doce dos cabelos da filha.

— Sentiu isso? — questionou ele.

— O quê?

O homem olhou à sua volta e expirou com força.

— Nada — desconversou. — Eu já vou. Qualquer coisa, sabe onde nos encontrar. — Deu um beijo na testa de Aleyna e desvencilhou-se dela.

Sua feição feliz era claramente uma farça. Não quisera revelar à filha que o cheiro que sentira era um velho conhecido. Não queria dizer que o odor do enxofre era sempre um mau presságio.

Lúrido Veneno - A ilha profanaOnde histórias criam vida. Descubra agora