Ela chegará com o fogo ardente, entre brasas irascíveis que apagarão o brilho dos que a protegem. A filha do maligno erguer-se-á com a força do espírito do mar, carregando em seus olhos e em sua pele melíflua o sinal. Filhos da terra, prostrem-se e arrependam-se enquanto há tempo, pois quando o último folículo dançar vagarosamente a caminho da areia, todos padecerão, açoitados pela língua profana arrebatadora de almas. A complacência não mais terá lugar, e então o caos consumará o seu desígnio.
Os passos trôpegos e ansiosos seguiam uma linha contínua, cada espaço milimétrico era desbravado como se fosse uma floresta inteira. Trovões irrompiam entre as nuvens carregadas, prontas para despejar as suas lágrimas impiedosas sobre o corpo que se movia desvairadamente, o tempo estava acabando, não o tempo como o conhecemos, o seu tempo. Os trapos que lhe serviam de batina já se enroscavam nos pés cansados, mas o seu propósito deveria ser cumprido. Quando a primeira gota acertou o centro da face empalidecida, um raio cortou o céu e atingiu ao longe uma das árvores frondosas que surgiam como braços do inferno. O homem sentiu o metálico do sangue invadir o paladar e lançou-se à varanda da última casa à esquerda, fazendo com que seu corpo empuxasse a porta antes de cair sobre a soleira. Olhos assustados e piedosos correram ao encontro da face cadavérica estampada por um fio rubro que descia pelo queixo branco.
— Padre Gautstafr! — A mulher ajoelhou-se e cobriu as mãos dele com as suas.
— Minha filha — murmurou o padre, já sentindo a pulsação desacelerar. — Não tenho muito tempo. — Ele levantou os dedos, dando evidência ao papel que carregava.
O vento provindo da tempestade sacudiu a porta, e a chuva começou a se intensificar, como se quisesse pará-lo, impedi-lo de dar o seu recado.
— O que é isso? — perguntou a moça, já se ouvia sua voz entrecortada pelo desespero.
— A... profecia. Detenham-na... — Ele inspirou uma última vez com força e deixou que o seu fôlego final exprimisse o propósito de toda a sua caminhada: — Destruam a filha do maligno.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lúrido Veneno - A ilha profana
HorrorUma ilha perdida, esquecida, uma verdadeira lenda. Não para os seus poucos habitantes. Em meio a acontecimentos completamente inexplicáveis, surge uma profecia antiga. Segundo ela, a filha do mal não tardará a chegar, e todos padecerão sob os seus p...