〔 14 〕

1.4K 106 58
                                    

𝗖𝗵𝗮𝗽𝘁𝗲𝗿 14

Scarlett concluiu sua rotina noturna numa espécie de entorpecimento enevoado. Só quando deitou a cabeça no travesseiro começou a chorar.

Estava tudo acabado. Chris pedira para Scarlett ser legal com a família dele, e ela fizera sua mãe chorar. Era impossível desfazer uma situação como aquela. Seus instintos imploravam para que abrisse o jogo e contasse a verdade. Apesar de não saber a verdadeira extensão do problema, Chris já conhecia algumas de suas dificuldades: hipersensibilidade a cheiros, ruídos e toques; obsessão pelo trabalho; necessidade de estabelecer rotinas; a falta de traquejo social. O que não sabia era que havia rótulos para aquilo, diagnósticos médicos.

A compaixão era mesmo melhor que a raiva? No momento, ele a considerava grosseira e insensível, mas ainda a via como uma pessoa normal, ainda que levemente excêntrica. Com os devidos rótulos, poderia ser mais compreensivo, porém deixaria de vê-la como a econometrista desajeitada que adorava seus beijos. Aos olhos de Chris, seria apenas uma garota que sofria de autismo. Seria... menos.

Não lhe importava o que as outras pessoas pensavam.

Já da aceitação de Chris, no entanto, sentia uma necessidade desesperadora.

Ela tinha uma síndrome, mas a síndrome não era aquilo que a definia. Ela era Scarlett. Um indivíduo único.

Não havia como remediar a situação. Não havia como continuar com ele.

Scarlett ainda precisava se desculpar com Lisa. Nunca tinha feito ninguém chorar antes, e aquilo a fizera sentir muita raiva de si mesma. As respostas evasivas faziam sentido agora que a verdade sobre o pai viera à tona. Scarlett queria ter entendido a situação antes de estragar tudo chateando Lisa, mas só tinha como mudar o que faria dali para a frente, não o passado.

À medida que a noite se arrastava, ela foi criando e recriando um pedido de desculpas, recitando-o várias vezes em sua cabeça. Quando o sol se ergueu, Scarlett saiu a custo da cama e se preparou para encarar o dia.

Ela dirigiu até a mesma galeria comercial aonde fora no dia anterior e parou diante da Lavanderia e Alfaiataria Paris. Assim que o estabelecimento abrisse, pediria desculpas e iria embora.

A noite de insônia deixara sua cabeça enevoada. Seu coração doía por causa da pressão incessante provocada pela ansiedade. Seus dedos agarravam o volante com tanta força que suas juntas pareciam travadas. Ela se sentia exausta. Queria resolver logo aquilo para poder ir ao escritório e mergulhar no trabalho.

Cinco minutos antes do horário, a placa de FECHADO foi virada para ABERTO. Respirando fundo, Scarlett pegou uma segunda caixa de chocolates e um buquê de rosas cor de pêssego e saiu do carro. Era Lizzie quem estava atrás do balcão naquele dia.

Ela ergueu os olhos do livro apoiado no colo e piscou algumas vezes, surpresa por vê-la. Pela tensão nos lábios dela, não de um jeito bom.

— Oi, Scarlett... Chris não trabalha aos sábados...
— Não foi com ele que vim falar — de que adiantaria? Estava tudo acabado entre os dois. Scarlett mostrou as rosas e os chocolates — Trouxe para sua mãe. Ela está?

A expressão de Lizzie se amenizou.

— Está, sim.
— Posso falar com ela, por favor?
— Mamãe está trabalhando lá nos fundos. Levo você lá.

Scarlett seguiu Lizzie, parando diante de uma máquina de costura industrial verde onde Lisa, com os óculos pendurados na ponta do nariz, passava um tecido sob a agulha com eficiência e rapidez.

𝐃𝐈𝐒𝐂𝐎𝐕𝐄𝐑𝐈𝐍𝐆 𝐋𝐎𝐕𝐄 | ✓ Onde histórias criam vida. Descubra agora