“Batatinha quando nasce,
espalha a rama pelo chão.Rosemary quando dorme
mija todo o seu colchão”Ok. Eu mereci aquilo. Eu fiz xixi na cama mesmo, e daí? Meu irmão mais velho sabia muito bem como encher o meu saco e, acordar daquele jeito no dia do meu aniversário de dezoito anos não era pra qualquer um.
Eu era uma adulta que fazia xixi na cama.
Rubem, meu irmão, tinha vinte anos e era muito chato. Chato pra caramba. Todos os dias antes de ir trabalhar, ele ia até o meu quarto, seguindo aquele aroma de amônia provindo do meu colchão e, aproveitando o fato de minha mãe ter retirado a tranca da minha porta, começava o dia me zoando de pertinho.
— Boo! — disse ele, me zoando, quando me acordei.
Meus olhos inchados de tanto dormir me deixavam com a vista embaçada. Aliás, parafraseando aquela rede de fast food (sim, é a segunda vez em que eu menciono comida rápida aqui. Por quê, tá achando ruim?!), sobre dormir: “amo muito tudo isso”. Além dos meus olhos inchados de jacaré, meus cabelos estavam tão altos que mais parecia uma juba de leão. Para completar o meu look matutino, eu usava uma camisa velha do meu pai, que servia como camisola e ficava muito frouxa, sambando no meu corpo. Quem nunca?
— Para, Rubem! — repreendi aquele chato, saindo da cama molhada.
Rubem retirou seu celular do bolso de sua calça skinny (eu tenho certeza que ele havia comprado aquela calça na seção feminina da loja em que ele trabalhava) e começou a cutucar a tela daquele troço que tinha um tamanho de um tijolo, mas, segundo ele, pertencia a última geração de celulares do Brasil.
— Essa vai pro instagram! — um clique, dois cliques, três cliques; três fotos.
— Rubem, você não presta! Eu vou dizer pra mamãe, tá? Eu tô parecendo uma bruxa, cheia de remela!
— Eu só queria registrar a primeira foto da minha irmã como uma adulta. — ele fez uma cara feia — e ainda bem que fotos não têm cheiro porque, menina, isso aqui tá um fudum danado.
Eu, um pouco envergonhada, coloquei as mãos no rosto e falei:
— Você poderia pelo menos ter esperado eu tomar um banho e me arrumar.
— Mas assim não tem graça, maninha. Olha, Rose... — Rubem começou a andar (imagine ele andando com dificuldade, a calça era tão apertada que apertava seus... ovos) e puxou um puff rosa no canto do meu quarto, sentando-se em seguida. Ele continuou: — Você já tem dezoito aninhos, não é mais a bebê da mamãe. Você vai ver como a vida vai ficar bem mais colorida, honey.
Rubem não costumava conversar comigo daquele jeito. Eu admirava o Rubem porque ele enfrentou a nossa mãe de um jeito que eu gostaria de enfrentar se eu tivesse coragem. Quando ele tinha a minha idade, também não tinha amigos, nem redes sociais, nem celular... e tudo porque a nossa mãe, Solange, não deixava. Mas, quando ele ficou maior de idade, ele se libertou, literalmente. Ele arrumou um emprego, pôde se sustentar sozinho e não tinha mais motivos para ser um prisioneiro da nossa mãe. E ele, cara de pau, só não foi embora de casa porque ele ficava dizendo que a casa também era dele e que não era obrigado a ouvir os mimimis de dona Solange.
E por que a nossa mãe nos protegia tanto?
Eu sempre fazia essa pergunta para mim mesma, sempre. Sempre que eu queria fazer alguma coisa diferente, como ir ao cinema ou ir até a esquina comprar sorvete e ela não deixava que eu fosse sozinha ou com Rubem. Eu achava que era alguma coisa a ver com o meu pai, que se separara dela há alguns anos porque não aguentou, claro. Mas eu não tinha certeza. E não sabia como perguntar a ela o motivo daquilo.
Ah, eu não achava ruim não ter redes sociais, mas não ter vida social sim. Se bem que, pelo que eu sabia, quem tinha rede social, muitas vezes não tinha vida social. É uma coisa bem louca, eu sei. Pelo menos eu tinha tempo para estudar e minhas notas eram boas na escola.
E eu sabia que tinha uma boa vantagem no vestibular, naquele ano.
— Ok, eu vou indo. Não vou te dar um beijo de feliz aniversário porque você está... fedendo. Mas, Rosemary, aproveite seu aniversário ao lado da dona Solange. — ele se levantou do puff e caminhou até a porta, rebolando — Ah, ela tá te chamando lá na cozinha. Beijinhos! E tome um banho.
Quando tomei banho e arrumei a bagunça do meu quarto, desci as escadas da minha casa e, ao chegar na cozinha, minha mãe estava sentada à mesa ao lado de um grande bolo cor-de-rosa com detalhes da Hello Kitty, bexigas, docinhos e tudo o mais. Era comida para um batalhão.
No entanto, as únicas pessoas que iriam para aquela festa eram minha mãe e eu. Rubem não ficaria ali nem morto.
— Surpresa! — disse ela, contente, batendo palmas.
Solange começou a cantar aquela música “Parabéns pra você” só que na versão da Xuxa, enquanto continuava batendo palmas e não percebia minha cara de frustração.
— Vamos lá, querida! Apague as velinhas e faça um pedido! Fiz um pedido: queria estar morta;
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Os Clichês de Rosemary
Chick-LitSolange sempre privou os filhos de terem uma vida como a de qualquer outro jovem. Rosemary, sua filha mais nova, quer seguir os passos do irmão mais velho, o ácido e carismático Rubem, e se rebelar contra a mãe. A moça, porém, quer ir mais além e fu...