28. Só me arrependo das tampinhas de iogurte que joguei fora sem lamber

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(por Sebastian Freitas)

Eu continuei enxergando o mundo como se fosse o céu nublado por um bom tempo. Foi uma experiência incrível quando vi meu pai, mesmo embaçado ou quando fiz minha primeira refeição após a cirurgia nos olhos: eu vi o que eu iria comer e aquilo, mesmo sendo tão simples, me fez ficar emocionado.

Eu agradeci à Deus e ao Dr. Lionel por ter dado tudo certo. Talvez eu tivesse nascendo de novo e nem percebi.

No dia do casamento de Dóris e Rubem lá no Brasil, eu acordei um pouco nervoso com o que poderia estar acontecendo no meu país. Não tinha ninguém no meu quarto, papai talvez poderia ter saído para tomar um lanche. Era cedo da manhã, mas eu estava com pressa e queria ligar para Rosemary para lhe dar os últimos toques sobre o casamento. Eu não queria que minha irmã sofresse e, estando nos Estados Unidos da América, eu nada poderia fazer.

Desci da cama e abri os olhos. Estava tudo escuro, mas não era a escuridão de como quando eu era cego, era apenas a luz que estava apagada. Rumei em direção à porta, girei a maçaneta e senti a luz penetrar em meus olhos.

Estava diferente. Eu estava enxergando tudo de uma maneira mais perfeita do que no dia anterior. Feliz, comecei a andar por entre os corredores. Desci as escadas com meus passos lentos até chegar num local que parecia a recepção do hospital. A recepcionista profanava algumas palavras em inglês pelo telefone, talvez brigando com alguém. Era com o namorado, (ou ex) certeza. Passei por ela, pensei em até pedir seu telefone emprestado, mas lembrei que meu inglês era péssimo e eu poderia passar por uma saia justa.

Saí do hospital, ninguém me percebeu, mesmo eu estando com aquela bata branca que mais me fazia parecer uma alma vagando pelo estacionamento, passando pelos carros parados com cuidado, sem soar o sinal do alarme.

Eu só queria um telefone público ou até mesmo um celular, mas o fato de eu estar enxergando perfeitamente bem me fez ficar tão empolgado a ponto de eu sair andando por aí, sem destino, conhecendo o mundo de outro jeito.

Pude ver melhor os carros passando pelas avenidas e buzinando, as pessoas vestidas em seus ternos andando por todos os lados, atrasadas para mais um dia de trabalho, os cães latindo, os pássaros piando. O formato do rosto de cada gente que cruzava comigo na rua e estranhava minhas vestes; é maravilhoso enxergar e era a primeira vez que eu tinha aquela experiẽncia, sozinho.

Daí eu percebi que era um garoto que, por mais que enxergasse, estava perdido em um país desconhecido, em que eu mal sabia falar a língua nativa daquelas pessoas.

Sim, eu estava perdido. E mal sabia para onde ir ou para quem pedir socorro.

Caminhei mais e mais, seguindo meus instintos, indo para a direção que meu coração mandava. Pus o pé direito na avenida e senti um baque. Caí no chão e rolei enquanto um motoqueiro tentava se equilibrar sobre sua moto, falando alguns palavrões americanos. Uma multidão me rodeava.

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(por Rosemary Maldonado)


O pai de Sebastian me disse para ficar tranquila, que o garoto havia voltado a enxergar e estava curioso para conhecer o mundo de outra maneira. Falou também que o hospital havia se responsabilizado por tudo, pois o paciente saíra sem ninguém perceber.

Meu coração estava apertado. Eu só queria que aquele telefone tocasse e que eu pudesse ouvir a voz de Sebastian novamente. Eu tinha tanta coisa pra dizer a ele, tanto o que ouvir... eu queria que ele me dissesse como estava se sentindo, agora que enxergava. Queria poder olhar nos olhos dele e que ele me correspondesse.

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⏰ Última atualização: Mar 05, 2016 ⏰

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