Hérion Burty - O caçador de Lendas

Capítulo 10 - Enfim, a verdade!

"A verdade liberta, mas não observa gentilezas"

  Durante o caminho pelas estradas de Serena Lúmia, Burty teve muito no que pensar, ainda mais após as afirmações de Ivy. Agora, as coisas voltaram a fazer menos sentido do que antes. Não foi à toa que ao chegar no templo, Hérion largou sua moto e disparou até a sala de Anameor, ignorando as famosas recepções do monge Charles. O ancião já os aguardava em sua cadeira, batendo a ponta dos dedos sobre a mesa, na medida em que assobiava uma curta melodia.

- Finalmente voltaram, nunca vi tanta demora para uma missão tão simples.

- Deve ser porque esbarramos com a porcaria de um patriarca e dois ogros no caminho! - Respondeu Burty irritado. - Ítalo quase morreu! Não sei porque, mas algo me diz que você nos mandou lá às cegas, sem ao menos checar se as informações que tinha eram verdadeiras ou não.

- Patriarca? Isso explica muita coisa - Observou Anameor. - O importante é que retornaram com vida e... Trouxeram a menina com vocês. Você é Ivy, irmã de Daise Dias?

- Sim, sou eu! - Respondeu secamente.

- Excelente! E esse garoto, quem é?

  O menino arranhou a garganta, antes de se apresentar para o velho Ancião de cabelos brancos e roupas alaranjadas à sua frente.

- Sou Miguel! Amigo de Ivy! Estávamos presos na mesma gaiola durante o sequestro, até esses caras irem lá para nos salvar.

  Burty ficava cada vez mais impaciente para conversas fiadas. O caçador estava confuso e com a mente caótica o suficiente para amassar o nariz de alguém, caso não tivesse suas respostas.

- Você queria a menina e ela está aqui, cumpri com a minha parte do acordo Anameor, agora é a sua vez de fazer o mesmo.

- Certo. Trato é trato! - Concordou o Ancião afundando o corpo em sua cadeira. - Há muito anos, quando você era apenas um bebê, seus pais enfrentavam as consequências da vida que haviam escolhido. Como bem sabe, ambos eram caçadores famosos e prestigiados, com um índice de sucesso perfeito em suas missões! Porém, com o seu nascimento as coisas mudaram... É difícil dizer isso, mas você se tornou um ponto fraco para eles. Tudo que aqueles dois queriam era te manter longe do perigo! Aos poucos, foram diminuindo as caçadas, buscando uma espécie de aposentadoria, mas caçar não é o tipo de vida que dá esse luxo a ninguém. Infelizmente, eles já haviam comprado briga com o mago mais poderoso daquela época, capaz de sugar energia vital das outras pessoas, o que contribuía para que suas habilidades ficassem cada vez mais distantes do nosso alcance. Contudo, o preço desse poder era alto demais e sua alma se perdia na escuridão, corrompendo-se ao ponto de quase ser tomada pela loucura.

  Apesar de ser um estranho, Miguel estava concentrado a cada detalhe da história que ouvia, esquecendo-se até mesmo de piscar. Na verdade, apenas a voz de Anameor ecoava pelo ambiente, sendo a total ganhadora das atenções ao seu redor.

- Pouco tempo depois seus pais descobriram uma forma de separar as energias de dentro dele. Assim diminuiriam os seus poderes, equilibrando uma futura e previsível batalha. Por ironia do destino, isso também exigia um preço. Precisariam de uma pessoa com o coração puro para o feitiço, pois a magia puxaria metade do poder para ela. O único problema era que só havia alguém assim no local e era justamente quem eles mais queriam proteger... você! Por mais que seus pais fossem pessoas exemplares, apenas um bebê tem um coração que pode cumprir esse tipo de exigência. Evitaram isso ao máximo pedindo ajuda para a família Dias, amigos de longa data que também tinham uma filha recém-nascida, Daise. Os Burty explicaram a eles como dividir o poder do mago de forma que o pudessem enfrentar, mas temiam que seu filho não suportasse tamanha força e viesse a falecer. Foi aí que as coisas complicaram... inesperadamente o mago os atacou na residência dos Dias. Juntos, os quatro conseguiram imobilizá-lo temporariamente para que pudessem escapar com vocês! Seu pai pegou um cavalo e correu com a sua mãe até minha casa, os Dias vieram logo atrás. O tempo havia acabado para todo mundo, ou realizavam a magia ou seriam mortos pelo rival... sem outra alternativa, cobriram você com pinturas e símbolos, sabendo que aquilo poderia te matar, mas se não o fizessem, o mago o mataria de qualquer forma. Comovidos, os Dias começaram a pintar Daise para que ela recebesse metade da metade do poder, tornando as chances de sobrevivência um pouco maiores para os dois! Então o massacre começou, sua mãe recitava o feitiço com você nos braços quando aquele desgraçado a golpeou. Ela era uma mulher forte, conseguiu se virar para cair de costas no chão evitando que você se machucasse. Pobre Suzan, começou a rastejar sussurrando coisas no seu ouvido, como se soubesse que jamais levantaria do chão outra vez. Até tentou uma barreira de proteção, mas o mago deu seu golpe final e ela... ela não suportou.

Anameor engoliu a seco, segurando um angustiante choro entalado na garganta. O ancião estava comovido o bastante para que todos percebessem que não se tratava de um mero fingimento, mas de recordações dolorosas, aos quais devia ter fugido a vida inteira.

- Seu pai apareceu para pegá-lo e te entregou a senhora Dias. Ela continuou o feitiço recitando as palavras com você em um braço e Daise no outro. Enquanto isso, lutávamos contra o inimigo! Minutos depois vimos uma energia azul saindo do corpo dele e indo até vocês, o fazendo enfraquecer mais a cada segundo. Seu pai percebeu e o acertou em cheio... Mas ele também feriu Alan que, infelizmente, não conseguiu sobreviver. Lembro de ver o mago rastejando pela porta em direção ao bosque que rodeava a casa! Sinceramente, achamos que ele cairia morto em algum lugar, mas pelo que parece estávamos errados. Quanto aos Dias, eles se mudaram anos depois do acontecimento, o que me deixou às cegas, sem quaisquer notícias. Por sorte, chegou ao meu conhecimento que tiveram outra filha... Ivy! Foi aí que comecei a pesquisar e descobri que você estava bem debaixo do nosso nariz, aqui em Serena Lúmia.

  A jovem menina de cabelos lilás estava tão surpresa quanto qualquer outro naquela sala, como se fosse a primeira vez que escutava a história de sua própria família.

- Você está dizendo que a minha irmã é a portadora dessa energia vital? E agora esse mago está atrás dela também?

- É exatamente isso. Por esse motivo precisamos que você nos conte onde ela está! Se unirmos Daise e Hérion teremos uma chance de igualar os poderes e vencê-lo de uma vez por todas.

- E como pode afirmar que ele não drenou mais energia por aí? - Indagou Ítalo calculando as possibilidades.

- Ele não pode! O feitiço que os Burty e os Dias fizeram impede essa habilidade. A única forma de ele fazer isso novamente seria eliminando Hérion e Daise, pois assim recuperaria todo o seu poder original. Agora nos diga - Anameor correu os olhos para Ivy. - Onde está a sua irmã?

- Eu... eu não sei. Minha irmã se afastou de mim desde que...

  Ivy estava tendo dificuldades em digerir aquelas informações. A menina sentia que era uma estranha e não sabia nada a respeito de seus pais. Até passou a compreender um pouco mais o que Hérion sentiu nas últimas horas.

- Desde que? - Insistiu Anameor.

- Nossos pais morreram. Eles perderam a vida lutando contra um grupo de lobisomens que Daise caçava. Ela se culpa até hoje por não conseguir impedi-los naquela noite. Depois me enviou para um orfanato nesta cidade e desapareceu. Disse que era para me afastar dos perigos que ela mesma traria.

- Com ou sem a irmã da Ivy, esse mago maldito vai pagar pelo que fez a minha família - Burty estava mais determinado do que nunca, com um olhar de vingança que poderia ser visto a quilômetros.

- Lamento Hérion, mas você não vai conseguir enfrentar esse inimigo sozinho! – Argumentou Anameor. - Apenas vai ajudá-lo a conseguir o que quer mais rápido.

- Isso é o que vamos ver! Você pode ter razão em dizer que não posso enfrentá-lo com os poderes que recebi, mas nunca se esqueça que eu também sou um Burty e isso já bastaria para esse verme. Só mais uma coisa velho, qual é o nome dele?

- Ele se chama... Hérberus.

Nota: Lê-se Rérberus.