Capítulo 12 - Arauto primordial

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"Alguns desejos podem se tornar assustadores, quando prestes a se realizar." 


   Ir para casa foi apenas um pretexto que Hérion encontrou para ter um pouco de privacidade. Nada como a ducha gelada de seu chuveiro, em meio a tantas revelações impactantes, para esvaziar a mente assombrada que havia se formado em sua cabeça. A confusão foi tanta que Burty tomou banho sem ao menos perceber, perdido por lembranças confusas capazes de torturá-lo segundo a segundo, nos mais diferentes níveis de dor que poderia imaginar.

   Assim que terminou, apressou-se em arrumar sua mochila com tudo que precisava para sair de casa. A sua intenção, desde o início, era percorrer as estradas de Serena Lúmia sobre duas rodas, pois poucas coisas no mundo eram capazes de fazê-lo relaxar como aquilo. O caminho escolhido foi a rodovia mais longa, uma estrada quase sempre deserta, sem prédios ou casas, rodeada apenas por areia e uma vegetação seca.

   Por um pequeno lapso de tempo, Hérion sentiu sossego, mas algo estranho ao redor ganhava sua atenção: um punhado de areia o seguia como se estivesse viva, flutuando pela beirada da pista. Sem pensar duas vezes, o caçador deslizou os pneus da moto no asfalto em uma abrupta derrapada, ao mesmo tempo em que puxou Chelly da cintura, apontando para o vazio.

  - Quem está aí? - Questionou com firmeza. - Vou deixar bem claro que estou em um péssimo dia. É bom não me subestimar ou fazer joguinhos.

   Os grãos flutuaram para frente de Burty, montando um corpo humano feito de areia.

  - Fique calmo caçador, não quero problemas. Na verdade, estou aqui para ajudá-lo!

   Conforme falava, a areia começava a desaparecer, dando lugar a um homem de olhos amarelados, com cabelos curtos e loiros. As vestimentas se assemelhavam às de Ítalo, mas de cor arenosa e sua estatura era mediana, porém definida.

   No mesmo instante em que se apresentou, um clarão desceu dos céus ao lado de Hérion. Era seu amigo relâmpago que o bisbilhotava através das nuvens, a mando de Anameor.

  - Ângelo! - Disse o arauto. - O que faz aqui? Não estava em Nocthura?

  - Ora, ora! Se não é Ítalo, o meu velho amigo! Está meio acabado, com um aspecto... cansado. Mas, respondendo às suas perguntas incrivelmente fúteis, digamos que as coisas em Nocthura andam um pouco agitadas. E como bem sabe, também sou um mensageiro, então adivinhe só? Vim trazer um recado para o nosso famoso caçador.

  - Mensageiro? - Indagou Hérion. - Quer dizer, outro arauto?

  - Exato! Mas não qualquer arauto, sou um primordial. O que quer dizer que também não é uma ideia boa me subestimar!

  - Que você gosta de aparecer não é nenhuma novidade. - Observou Ítalo. - A questão aqui é quem enviou essa tal mensagem? Sendo bem específico, queremos saber para quem você está trabalhando?

  - Quanta tensão faísca! Precisa mesmo de umas férias. Vou aliviar o seu estresse e dizer que no momento estou aos serviços de Maira. Ela me enviou para falar com Hérion a respeito do Cetro que irão procurar.

  - O Cetro? Como ela sabe sobre ele? - Perguntou o caçador, sem entender. - Por acaso estão nos espionando?

  - Ora Hérion! Maira é conhecida como a bruxa que vê. Isso não te diz nada? Enfim, entre as duas metades existentes, vocês devem escolher a que está em Aglácia!! Isso porque uma tal de Daise já pegou a outra. Segundo Maira, caso consigam agir rápido, é bem provável que encontrem essa mulher lá, podendo enfim unir forças contra um inimigo em comum!

   Burty desceu de sua moto, aproximando-se de Ângelo a ponto de encará-lo dentro dos olhos.

  - Mande os nossos mais sinceros agradecimentos à bruxa. Aproveite para reforçar a mensagem que entreguei a ela pessoalmente no dia em que nos conhecemos. Se tudo isso for um jogo pra me sacanear, ela vai se arrepender amargamente. E isso vale para você também... primordial.

   Ângelo não conteve o sorriso que nasceu em sua face.

  - Você é divertido Burty, bem mais do que eu imaginava. Mas, fique ciente que Maira está te ajudando, pois é interesse de todos que Hérberus seja pego. Não precisa ficar cheio de paranóias! Agora se me der licença, ainda tenho outros assuntos para resolver.

   O sujeito deu as costas aos dois, erguendo um dos braços em despedida para depois desaparecer por entre os milhares de grãos ao redor. Hérion, por sua vez, voltou a montar em sua moto, com um semblante fechado no rosto para Ítalo.

  - Nunca mais faça isso! Não quero ninguém me seguindo às escondidas. Gosto de ter privacidade, ainda mais depois de tudo o que aconteceu.

  - Te seguir não foi um desejo meu Hérion, mas um pedido direto de Anameor!

  - Sabe Ítalo, existe uma palavra pequena e muito poderosa que deveria usar mais vezes com aquele velho.... Não! Conhece?

  - Você sabe muito bem que não é tão simples assim!

   Burty revirou os olhos e acelerou até sumir na estrada, sem dar atenção ao amigo. Estava tão furioso que chegou ao templo na metade do tempo que gastaria normalmente. Para sua surpresa, Ivy e Miguel se encontravam à sua espera, na porta de entrada.

  - Graças a Deus você voltou! - Exclamou a menina. - Não aguentava mais ficar ouvindo aquele monge maluco falar desse lugar.

  - Mais duas horas aqui e fico biruta! - Completou Miguel. - Qual é o problema daquele cara?

  - Por sorte, no meu tempo, ele não vivia aqui. - Respondeu o caçador. - Sabem onde Anameor está?

  - Na sala dele, aprontando as coisas para nossa viagem.

  - Ótimo! É bom que venham comigo, especialmente você Ivy.

   Burty seguiu caminhando, deixando a menina mais curiosa do que o normal. Assim que chegou aos aposentos do monge, notou que Ítalo já estava lá, ajudando Anameor a organizar os últimos detalhes da missão.

  - Acredito que Ítalo já tenha te contado sobre tudo o que aconteceu durante o caminho. Estou certo, Anameor?

  - Evidentemente que sim. Algo bem curioso por sinal, mas de grande valor! A bruxa que vê ajudando Hérion Burty. Quem diria!

  - Espera um pouco aí! O que aconteceu no caminho? - Perguntou Ivy, não se aguentando mais de curiosidade.

  - Acontece que... agora sabemos onde sua irmã está! Ela também partiu em busca do Cetro e já conseguiu uma de suas metades. Isso significa que as chances de esbarrarmos com ela em nossa missão são altas. Talvez, em breve, vocês poderão estar juntas outra vez.

   Ivy ficou tão surpresa que dizer qualquer palavra parecia um grande desafio. No fundo, a menina não sabia se aquela notícia era boa ou ruim. Com todo aquele tempo separadas, era difícil definir se ficava feliz por reencontrá-la, ou com raiva por ter sido deixada para trás.

  - Isso não é ótimo Ivy? - Questionou Miguel. - Finalmente vai estar com sua irmã! Já imaginou que incrível? Vão poder reconstruir a família Dias!

  - Não crie tantas expectativas Miguel! Ela me abandonou, lembra? Não sei bem se reconstruir a família é uma coisa que Daise iria querer. Se ela nos ajudar a manter todos a salvo, já estará de bom tamanho para mim. Só não quero que ela, ou mais alguém se machuque.

  - Mas você estava tão determinada! Até pediu para continuar na missão por causa da sua irmã. Não consigo entender.

  - Acontece que existem coisas que não dependem só de nós. E já chega desse papo! Não quero mais falar sobre isso.

   Miguel já ia abrir a boca, quando sentiu a mão de Hérion apertar seu ombro, acompanhada de um aceno negativo de cabeça. Naquele momento, o caçador achou mais prudente que todos respeitassem o pedido da menina e ficassem em silêncio sobre aquele assunto, mantendo o foco principal na missão.

Hérion Burty - O caçador de LendasOnde histórias criam vida. Descubra agora