Apesar de reconhecer o seu importante papel na sociedade, nunca fui muito de acreditar em Deuses, achando a religião confusa e ambígua. Mesmo agora, que tinha conhecido um, algo parecia não bater certo na minha cabeça de ateu, fortemente preenchida com ideais científicos e objetivos. Era quase como se estivesse a tentar racionalizar tudo o que me estava a acontecer, mesmo quando não havia forma de o fazer. Por vezes, temos que dar um salto de fé rumo ao desconhecido e acreditar numa força maior que nós próprios. Deve ter sido baseado nesse pensamento que, quando dei por mim, rezava com todas as minhas forças para que aquela suave voz, do lado de lá da porta, fosse mesmo o serviço de quartos. Eu sabia que as probabilidades de isso acontecer eram quase nulas, mas não custa tentar explorar esta nova crença que me revestia. E, já agora, aproveito para sugerir, caso um dia se encontrem numa perigosa missão de vida ou de morte, não escolham um hostel para repousar, optem antes por um local com uma saída traseira. Acreditem que estar, talvez literalmente, entre a espada e a parede não é agradável, principalmente com paredes sujas como aquelas.
Não pedimos serviço de quartos. Explicou Nelys, ainda com a voz trêmula. Mas, obrigado na mesma. Inteligente, usou a simpatia para não antagonizar mais o seu potencial inimigo. Pensei, admirado por estar a congratular aquele imbecil.
É uma oferta do hostel, gostamos de surpreender os nossos estimados clientes. Foi possível ouvir, passados uns segundos de silêncio.
Eu acho mesmo que não é o serviço de quartos. Comentou Nelys, virado para nós, com uma expressão acentuada, quase como se tivesse descoberto a pólvora.
Uau. Eu não queria começar uma discussão naquele momento, juro que não, mas saiu-me. Noutra vida, deves ter sido o Sherlock Holmes, que dedução brilhante. Aticei, batendo palmas.
Não vão começar, pois não? Interrompeu Cleo, tentando colocar alguma água na fervura, por assim dizer. Temos que pensar numa alternativa.
Tens a certeza que não conseguimos combater? Questionou Nelys. Mesmo os dois juntos? Perguntou, olhando para mim com desdém, acentuando a minha inutilidade naquela situação.
Tenho, absoluta. Disse, de forma séria. Se tentarmos, morremos.
Vocês só costumam combater usando magia? Indaguei, sentindo uma pequena ideia a surgir no fundo da minha mente.
Nós nem costumamos combater. Nunca houve uma guerra na nossa geração. Respondeu Cleo, preocupada. Claro que a guerra tinha que começar comigo. Pensei, lamentando a minha falta de sorte.
Mas na teoria, é só com magia?
Sim. Respondeu, confusa. Nelys, por esta altura, já nem se dava ao trabalho de me encarar.
Então sugiro uma alternativa diferente. Propus, cheio de confiança. Porque não o atacamos fisicamente? Aposto que não está à espera disso e, posso dizer-vos, tenho um gancho direito bastante potente. Se não vencemos com magia, vencemos com força e inteligência. Naquele momento, sentia-me a última bolacha do pacote, crocante e estaladiça, com um aspecto verdadeiramente divinal.
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As (Des)aventuras do (Não) Herói
FantasíaO que têm em comum um simples Engenheiro Informático divorciado, um mundo mágico desconhecido, deuses vingativos e um possível apocalipse? Aparentemente nada, mas como devem saber, as aparências tendem a iludir. Quando quatro Deuses decidem colocar...