As aventuras de Caim na Fazenda

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13°51'45.3"S 42°48'51.4"W 13/06/1998


Para um garoto que gosta de se divertir, uma fazenda é um paraíso, no meu caso, esse paraíso era a fazenda dos meus avós. Lá havia uma grande diversidade de brinquedos e o melhor de tudo era que esses brinquedos não eram inanimados. Isso tornava a brincadeira muito mais divertida, a fazenda ficava em um local bem isolado e o terreno era vasto e cheio de vegetação, o que proporcionava ao menino travesso um bom esconderijo para levar seus brinquedos.Cheguei à fazenda cheio de alegria e louco para brincar, mas minha alegria se transformou em ódio quando percebi que o insuportável do meu primo estava lá, Lisandro era um moleque mimado pelos pais, ele conseguia tudo que queria fazendo birra, ele gostava de mim e eu usava isso ao meu favor, mas em algumas ocasiões ele era um estorvo. Algumas pessoas chegavam a pensar que Lisandro sofria de algum retardo mental pela sua forma peculiar de se comportar. Garanto que qualquer um estranharia se visse um garoto de 8 anos com uma chupeta na boca, às vezes a mãe era obrigada a dar banho e vestir o moleque, com 8 anos ele já deveria ser capaz de fazer isso sozinho. Com certeza Lisandro sofria de algum distúrbio de aprendizado ou coisa parecida. Às vezes eu o observava fitando o horizonte com a boca aberta expondo os dentes amarelados, somados com suas orelhas abertas, corpo franzino e pele avermelhada pelo sol, ele parecia eremita débil mental. Lisandro era a cobaia predileta dos outros garotos e a minha também, certa vez, eu e o vizinho, Maurício, desafiamos Lisandro a comer fezes de galinha. Ele relutou um pouco, mas nós zombarmos dele. "Ah eu sabia que ele não tinha coragem!" "Isso é um frouxo!" Ele provou que estávamos errados e comeu o delicioso excremento galináceo. Em certas ocasiões, Lisandro, eu e Mauricio saíamos pelo mato para explorar, quando encontrávamos um buraco de tatu ou uma outra toca de bicho qualquer, desafiávamos Lisandro a enfiar a mão lá dentro, é claro que ele, para provar que era corajoso, metia a mão no buraco. Na maioria das vezes nada acontecia, no entanto, um dia, uma cobra coral se enrolou na mão dele, quando ele se deu conta do perigo, começou a correr sacudindo a mão e gritando desesperadamente, é claro que Maurício e eu não poderíamos deixar de dar boas gargalhadas daquela cena. Lisandro teve muita sorte de não ter sido picado pela cobra coral, porém, ele não teve tanta sorte quando estávamos roubando melancias da plantação do senhor Antônio Venceslau. Ao erguer uma melancia, Lisandro foi surpreendido por um escorpião que lhe picou o dedo, mas felizmente ou infelizmente Lisandro sobreviveu para continuar aprontando e servindo de cobaia para as minhas experiências. É assim que funciona, cada um luta com as armas que têm, os cientistas tem ratos e eu tenho Lisandro, meu mascote fiel e bem adestrado. — Caim vem vê! A gata pariu lá no paiol! — Chamou-me Lisandro —— Vamos lá! — Aceitei —— Anda logo rapaz, deixa de lerdeza! — Apressou-me ele —— Pra que essa presa? Os gatos não vão a lugar nenhum, eles acabaram de nascer. — Falei —Ao lado de um velho umbuzeiro que deveria ter uns 200 anos e já estava parcialmente morto havia um paiol onde antigamente meus avós estocavam grãos, mas hoje em dia estava caindo aos pedaços e servia apenas como ninho para as galinhas. Entre toda aquela tranqueira espalhada, havia um ninho onde a gata tinha parido 4 filhotes, os bichos haviam nascido a pouco tempo e ainda não podiam abrir os olhos e nem andar direito. A mãe dava de mamar e lambia suas crias enquanto isso Lisandro olhava para aqueles animaizinhos nojentos de boca aberta parecendo um retardado."Moleque idiota." — MENINOS! VENHAM ME AJUDAR A BUSCAR ÁGUA NA CISTERNA! — Chamou a nossa avó —O grito da nossa vó fez o debiloide do Lisandro acordar de seu transe, então naquele momento me veio à mente uma ideia muito interessante. — Vai você na frente com vó que eu vou ao banheiro primeiro e depois eu acompanho vocês! — Falei —— Tá bom, mas cê vai bater punheta agora véi? — Perguntou Lisandro —— Vai logo porra! E para de falar bosta! — Xinguei —O Lisandro saiu dando risada e foi junto com a minha avó buscar água na cisterna, era o tempo que eu precisava, chutei a gata do ninho e peguei um filhote de cor amarelada. Fui até a cozinha, olhei ao redor e tive uma ideia. — VOCÊ VAI DANÇAR GATINHO! — Falei —Pus o gato em cima da chapa quente do fogão e o espetáculo de canto e dança começou! O gato miava e sapateava em cima da chapa quente enquanto o chiado da pele das patas fritando tomava conta do ambiente. Era tão lindo que não pude me conter, comecei a bater palmas e dançar. — VAMOS LÁ GATINHO! ME MOSTRE DO QUE É CAPAZ! — Disse eu —— VAMOS! MEXA ESSE QUADRIL! OLHA QUE BELEZA, OLHA COMO ESSE GATO DANÇA! — Gracejei —A carne das patas e da barriga do gato estava começando e ficar grudada na chapa do fogão, então peguei um dos espetos de ferro usados para assar milho que estava em cima do fogão à lenha e espetei na barriga do gato. Levei ele até uma grota que passava perto da casa e joguei o bichano no fundo do buraco, depois retornei para a cozinha e com o auxílio de uma faca arranquei o resto de pele que ainda estava grudada na chapa do fogão, joguei a pele para as galinhas comerem. Minha vó me pediu que levasse a lavagem para os porcos, mas como eram muitos e o trabalho estava ficando muito cansativo, eu precisava arranjar uma maneira de diminuir a quantidade de bocas para alimentar, porém sem deixar que as suspeitas recaíssem sobre mim. Já farto daquilo, fui até o monturo procurar algo útil, enquanto caminhava, pisei em algo que se quebrou com um som de estouro, olhei para baixo e percebi que tinha pisado em uma lâmpada, me agachei para ver melhor. Era feita de um vidro bem fino e que se fragmentava facilmente. Após um minuto de reflexão a ideia surgiu em minha cabeça. Levantei e passei a vasculhar o monturo atrás de mais lâmpadas, após 10 minutos de busca, consegui reunir um total de 10 lâmpadas, era mais que suficiente para o meu projeto. Quebrei todas as lâmpadas dentro de uma gamela de madeira, no final restou apenas um punhado de pequenos fragmentos de vidro que eu misturei com a lavagem dos porcos. Depois fui até o chiqueiro e despejei a lavagem nos cochos, no mesmo instante os porcos começaram a comer. Os maiores agrediam os menores para poderem comer mais, mal sabiam eles que aquela seria sua última refeição. Observei por algum tempo e depois fui para casa. No dia seguinte, na parte da tarde, voltei ao chiqueiro para observar o andamento do projeto de diminuição de pessoal. Quando cheguei ao chiqueiro, vi os porcos maiores, os que tinham comido mais lavagem, deitados e grunhido enquanto defecavam. Suas fezes saíam com uma coloração avermelhada devido à hemorragia interna provocada pelos pedaços de vidro. Meus avós com certeza pensariam que era alguma doença, eu duvido muito que eles remexeriam nas fezes para investigar a causa da morte. Coivaras da alegria O fogo é um elemento fantástico! Depois que o ser humano descobriu como controlá-lo o mundo mudou. Ele possui diversas utilidades, porém a minha preferida é sua capacidade transformar materiais, o fogo tem uma sede de consumir tudo que for queimável ao seu redor, ele começa como uma minúscula faísca e se transforma em uma gigantesca lavareda dentro de pouquíssimo tempo. Meu avô estava capinando a roça a uma semana e já estava se queixando de dor nas costas, então me ofereci para ajudar. Fiquei em casa no sábado, justamente no dia da feira, pois eu sabia que meus avós iriam ficar fora o dia todo e eu poderia ficar à vontade para fazer algumas experiências. Era mês de agosto e nessa época do ano, o sudoeste baiano e praticamente todo o Nordeste ficam com quase toda a sua vegetação seca. Caminhando pela roça, vi várias coivaras já queimadas e outras prontas para queimar. Fui até o final da roça onde ainda havia um pedaço sem capinar, como a maior parte do mato estava seco o fogo se alastraria facilmente, comecei a capinar. Depois de mais ou menos uma hora e meia, eu tinha montado uma grande coivara com quase um metro de altura por seis de diâmetro, estava na hora de começar os experimentos. Fui até o paiol, peguei uma espiga de milho e debulhei no meio do terreiro, logo as galinhas vieram desesperadas comer o milho. Enquanto elas disputavam para ver quem comia mais, eu agarrei uma pela perna, ela tentou escapar se debatendo, mas eu segurei firmemente suas pernas e asas, prendi a galinha embaixo de uma bacia de alumínio e pus uma pedra em cima. Depois fui até a garagem do meu avô que era cheia de tralhas velhas e ferramentas. Lá peguei uma marreta, um pedaço de arame e um facão. No caminho para a roça, cortei um galho de aroeira e afiei a ponta, transformando-o em uma estaca. Já na beira da coivara, chequei a direção do vento e organizei o mato em uma meia-lua, finquei a estaca no centro da meia-lua e amarrei o arame de modo que ficasse curto o suficiente para não dar chance para cobaia fugir. Retornei para casa e peguei a galinha e também um isqueiro na cozinha. Quando cheguei na roça, chequei novamente a direção do vento, enrolei o ponta do arame em uma das pernas da galinha, enrolei tão apertado que o arame penetrou na pele. Soltei a galinha, ela tentou fugir inutilmente, caminhei para o outro lado, agachei e risquei o isqueiro... o maravilhoso espetáculo começou! As chamas rapidamente começaram a devorar o mato, fui para lado oposto onde estava a galinha e fiquei a uma distância segura. O vento ajudou, logo as chamas espalharam-se por toda a coivara, a galinha cacarejava e batia as asas sem parar, tentando escapar. O grande momento do show começou quando uma rajada de vento jogou as chamas na direção da galinha, aquilo foi lindo, era como estar vendo a lendária Fênix. O fim de Feroz Feroz era um cachorro vira-lata de cor preta que vivia na fazenda dos meus avós, ele era jovem, com pouco mais de um ano de vida. Meus avós e meu primo pareciam gostar muito daquele animal, eles o acariciavam e brincavam com ele. Quando eu e Lisandro saíamos, ele nos seguia, aquilo começou a me irritar, pois onde quer que eu fosse o maldito cachorro vinha atrás! Até mesmo quando eu resolvia fazer minhas necessidades fisiológicas no mato, o cão do inferno ficava me observando. Mas o pior era à noite, quanto eu me deitava em minha cama para dormir e o maldito cachorro começava a latir por causa de uma merda de uma lagartixa ou uma porcaria de um besouro. Minha paciência se esgotou! Resolvi dar um fim naquele animal insuportável. Levantei bem cedo, antes dos outros acordarem e saí, chamei Feroz com um assovio, ele veio correndo. Comecei a andar pela propriedade pensando em uma forma eficaz para eliminar o animal. Enquanto caminhava, eu observava os morros ao redor, avistei, no pé do morro da propriedade vizinha, uma pedra enorme que deveria ter mais de vinte metros de altura. Segui por um caminho pelo mato e Feroz vinha logo atrás de mim balançando o rabo, passei pela cerca de arame farpado da propriedade do vizinho, Feroz passou rastejando por baixo do arame farpado. Ente nós e a pedra havia uma grande pastagem, o capim chegava a altura do joelho, como eu estava de bermuda, a travessia foi bem incomoda, pois o capim provoca coceira na pele, mas o sacrifício valeria a pena. Feroz continuava me seguindo, às vezes ele avistava um calango e começava a persegui-lo, mas eu o repreendia e ele voltava e me seguir. Finalmente, depois de vários aranhões e estrepadas em espinhos de Juazeiro, cheguei ao pé do morro. Parei para observar a pedra, ela era meio quadrada e como estava em um terreno inclinado, a terra que descia do morro se acumulava na parte de cima formando um uma espécie de rampa que me permitia subir. Iniciei a lenta e cansativa subida, Feroz me seguia com a língua pra fora. Já lá em cima, me sentei para descascar, Feroz se deitou ao meu lado meio ofegante com a língua se movendo rapidamente num movimento de vai e vem. A vista de lá de cima era deslumbrante, apesar da pedra estar no pé do morro, era possível avistar uma grande área montanhosa cortada por estradas que pareciam pequenos riscos em meio a vegetação. Quando me recuperei do cansaço, levantei e fui até a beirada, Feroz também veio, olhei para baixo, senti uma leve tontura, mas me recuperei rapidamente. Ergui Feroz até a altura do meu peito e o encarei... seus olhos inocentes se fixaram nos meus, dei um passo para frente e lancei o cachorro, ele ainda deu um latido meio engasgado ates de atingir o solo. Desci o mais rápido que pude para ver o resultado, quando cheguei até onde o corpo do cão estava, vi que o trabalho tinha ficado ótimo. A queda arrebentou o abdômen do cachorro expondo suas vísceras, a mandíbula se separou da cabeça ficando presa apenas pela pele, sentei-me em um troco e fiquei observando minha obra enquanto o fluido vital escoria morro abaixo.

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