Minha primeira Vez

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11/04/2000 Arredores de Igaporã BA


— Junior emprestou o jegue pra nóis ir! — Disse Lisandro —— E cadê o jegue? — Perguntei —— Tá amarrado lá embaixo na estrada. — Respondeu ele —— Então vamos! — Falei —— Espera! Nóis tem que saí com cuidado pra mãínha não vê! — Disse Lisandro —— Tá todo mundo deitado cochilando, vamos logo! — Disse eu —— Juraci quer ir com a gente. — Disse Lisandro —— O Neguinho que mora naquela casa velha? — Perguntei —— Ele mermo! — Respondeu Lisandro —— Mas o jegue não aguenta 3. — Argumentei —— Ele vai de bicicreta junto com nóis! — Explicou ele — — Ah tá. — Comentei —Quando passamos em frente à casa velha, o neguinho já nos aguardava em sua Monark enferrujada que era grande demais para ele, os pés mal alcançavam os pedais. Então nós 3 descemos juntos até onde o jegue estava amarrado. Lisandro insistiu para que passássemos na cacimba primeiro para dar água ao jegue, em seguida partimos para a barragem da Torta que era responsável pelo abastecimento da cidade de Igaporã e alguns povoados próximos. A entrada era proibida, mas não havia ninguém vigiando, então não teríamos problemas. O jegue com suas pernas curtas não se deslocava muito rápido, mas de qualquer forma era melhor do que ir a pé. Já o neguinho sofria nas subidas, pois ele era pequeno e fraco. — Caim, eu vou trocar de lugar com Juraci, se não o moleque vai morrer de cansaço. — Explicou Lisandro —— Tá bom. — Concordei —Lisandro desceu do jegue e pegou a bicicleta, Juraci subiu na garupa e assim a viajem ficou mais rápida. Depois de umas 2 horas, chegamos ao nosso destino. Amarramos o jegue em um Juazeiro e fomos procurar um meio de passar pela cerca de arame farpado que tinha 3 metros de altura e cerca de 20 fios de arame. Os fios de arame eram tão esticados e próximos uns dos outros que não havia maneira de passar entre eles. Começamos a caminhar junto à cerca procurando alguma brecha, mas a cerca parecia nova e impecável. De dez em dez metros placas avisavam que a entrada era proibida, mas nós não nos preocupávamos com isso. — E agora como a gente vai entrar? — Perguntou Juraci —— Não sei Juraci, ei Caim, tem alguma ideia? — Disse Lisandro —— Vai ser difícil... essa cerca foi feita a pouco tempo e não parece haver brechas. — Falei —— Se ela não fosse tão alta... — Disse Lisandro —— O maior problema não é a altura e sim o arame farpado, se fosse arame liso nós poderíamos escalar. — Falei —— É verdade, e agora Caim, o que nóis faiz? — Perguntou Juraci —— Vamos continuar caminhando junto da cerca para ver se há algum ponto fraco. — Disse eu —Como a cerca tinha sido feita recentemente a terra estava fofa em alguns pontos e foi justamente em um canto onde a cerca passava próxima de uma arvore que a terra estava muito remexida.Aparentemente quem construiu teve preguiça de arrancar a arvore e apenas escavou e cortou as raízes que estavam atrapalhando e se esquecendo de compactar a terra novamente. Esses operários nos deram a porta de entrada para a barragem! Usando pedaços de pau e as mãos nós escavamos por baixo da cerca até que conseguimos passar nos arrastando. Juraci e Lisandro correram como loucos arrancando as roupas e pularam na água, eu antes dei uma boa olhada nos arredores para me certificar se havia alguém por perto observando.— VEMMMMM CAIM A ÁGUA TÁ BOA DIMAIS CARA!!! — Chamou-me Lisandro —— JÁ TÔ INDO! — Respondi de longe —Caminhei até uma elevação de terra e olhei para todos os lados, aparentemente não havia ninguém no local além de mim e dos outros dois, então tirei a camisa e a calça e pulei na água.— Ei Juraci, por que você só fica na beirada? — Perguntou Lisandro —— Eu não sei nadar! — Respondeu Juraci —— Eu pensei que você sabia. — Disse Lisandro —— Eu quero aprendê, mais eu tenho medo! — Comentou Juraci —— É fácil véi! Eu apendi rapidão! — Disse Lisandro —— Cê min incina? — Pediu Juraci —Enquanto Lisandro dava algumas dicas para o neguinho, eu checava a profundidade da barragem, se mantinha rasa por vários metros, no entanto, o terreno decaia bruscamente num certo ponto formando um profundo abismo.— Juraci, fica aí treinando com Caim que eu vou ali no mato dar uma cagada! — Falou Lisandro —Tá bom! — Concordou Juraci —Ao ficar sozinho com aquele moleque, uma lembrança de uma experiência que fiz com um filhote de cachorro, arame, pedra e uma lagoa me veio à mente. Aquilo foi incrível! Tão incrível que tive vontade de repetir a experiência, mas dessa vez não havia um cachorro por perto, em vez disso havia outro tipo de animal... um pouco mais inteligente, só um pouco. — Juraci, eu vou te ajudar vem cá! — Chamei —— Tô um pouco com medo! — Disse ele —— Relaxa, eu não vou deixar você se afogar! — Afirmei —— Pelamor di Deus não min solta! — Pediu ele —— Eu não vou te soltar! — Falei —Segurei Juraci pela barriga enquanto ele movimentava braços e pernas na água. — Não me solta Caim, não mim solta pur favor! — Pediu ele —— Eu já disse que não vou te soltar fique tranquilo! — Falei —— É muito... parece até que eu tô nadando! — Comentou Juraci —— Você gosta de água Juraci? — Perguntei —— É claro que eu gosto, a água é boa demais! — Respondeu Juraci —Olhei para a direção que Lisandro tinha ido, mas não vi sinal dele. — Caim, vamo voltá, dispôis ocê mim incina mais! — Pediu ele —— Vamos até aquelas plantas boiando depois voltamos! — Falei —— Tá bom, mais dispôis nóis volta, e não mim solta pelamor de Deus! — Disse Juraci —— Já disse que não vou soltar. — Falei —Quando chegamos até as Ninfeias, olhei para os lados para ver se ninguém estava olhando... empurrei Juraci para baixo d'água! Segurei o moleque, ele se debatia violentamente e tive muita dificuldade para controlá-lo, pois eu estava nas pontas dos pés e não tinha apoio e nem muito equilíbrio. Consegui trazê-lo para a parte mais rasa e o prendi entre minhas pernas segurando-o até ele desfalecer. Depois o levei de volta até as Ninfeias e o enrolei no emaranhado de caules subaquáticos. — Lisandro, Juraci sumiu! — Falei quando Lisandro voltou —— Sumiu como? — Perguntou ele —— Eu fui dar uma mijada e falei para ele ficar na parte rasa, aí quando eu voltei, não vi mais ele! — Expliquei —— Será que ele foi embora sem a gente? — Perguntou Lisandro —— Não sei cara, eu vou ver se a bicicleta dele tá no mesmo lugar! — Falei —— Tá bom, eu vou dá uma olhada por aqui! — Disse ele —Consegui fingir uma preocupação convincente falando com a voz tremida e com um leve falsete. Fui até onde estava a bicicleta correndo e lá permaneci por um tempo pensando nas consequências que aquilo iria causar. Não havia como as suspeitas recaírem sobre mim, pois crianças morrem afogadas o tempo todo e Lisandro era um tolo e acreditava em tudo que eu dizia, no máximo receberíamos uma grande bronca, uma surra e um ódio eterno da mãe do Juraci. Respirei fundo e retornei correndo para parecer desesperado. — Que merda... eu não acho ele em lugar nenhum, ai meu Deus do céu! Eu tô achando que... que, ele morreu afogado! — Desesperou-se Lisandro —— Será? Não pode ser! Eu falei pra ele ficar na parte rasa! — Disse eu —— Meu Deus! E agora? Vão colocar a culpa na gente! — Preocupou-se Lisandro —— Que desgraça, eu não tô acreditando nisso! — Falei —— Nóis tá lascado véi! E agora? — Perguntou Lisandro —— Mas a culpa não foi nossa! Foi ele que quis vir, a gente não chamou ele! — Comentei —— É....... espera aí Caim, e se a gente procurar, ele pode tá vivo ainda! — Propôs Lisandro —— Certo, vamos lá! — Disse eu —Lisandro e eu procuramos a tarde inteira por Juraci... sem sucesso retornamos para casa. — Caim, o que a gente vai dizer? — Perguntou Lisandro —— A "verdade". — Falei —

Diário de um PsicopataOnde histórias criam vida. Descubra agora