Xadrez, à Preto e Branco

Mentiras Em Seus Lábios

Aquele sábado amanheceu ameno, com um sol fraco e pouco sinal da chuva dos últimos dias. Dante teria dito que um dia de sol, significava uma semana de chuva, mas os habitantes de Little-Woodshire podiam se contentar por poder desfrutar daquela bonança.

A babá levou os meninos para o pequeno parque, estendeu uma toalha no gramado e pousou o cesto onde tinha sucos, chá e bolachas feitas no dia anterior. Os gémeos brincavam com a bola, junto de outras crianças que corriam de um lado para o outro, enquanto por sua vez, os mais velhos evitavam estar perto de Miriam, embora fingissem não mais estranhar a sua presença constante nos lugares frequentados pelo público.

Ela não iria se esconder de ninguém, não quando já tinha passado tempo suficiente para que ao menos a tolerassem, por isso se deixou ficar ali com um meio sorriso no rosto bonito a tecer as camisolas de lã dos rapazes com todo um esmero.

Ouviu um assobio bem atrás de si e virou o pescoço, cheia de curiosidade, procurando quem emitira aquele som perfeito, e encontrou nada além do farfalhar do vento e das árvores de inverno quase carecas cujos ramos pareciam se bambolear ao ritmo do ar frio que soprava calmo. Encolheu os ombros e voltou a se concentrar no que fazia, de vez em quando levantava os olhos escuros para ver os rapazes que se divertiam em risadas altas.

Outro assobio seguido de um chilrear bem imitado, provocou novamente o interesse da babá que se levantou de cenho unido e correu para espreitar por trás das árvores que a cerceavam, tendo sentido um frio no estômago quando encontrou Callum a rir.

— O que faz aqui, senhor Morgan? — Ela perguntou, seus olhos reluziam e os lábios insistiam em se curvar levemente para cima mesmo a seu contragosto. Depois do que tinha acontecido há uns dias na cozinha, muito dentro de si se tinha transformado, e por isso o tinha evitado a todo custo.

— Pelo que me consta, é um parque aberto ao público, senhorita Fuller. Vim ver os meus sobrinhos — respondeu com um sorriso idiota estampado no rosto jovial. Os olhos naquela manhã vestiam um cinzento tão claro com algumas pinceladas de azul, se revelando exóticos e bonitos demais.

— Ia sugerir que usasse seu tempo livre para fazer algo de jeito, procurar um trabalho quem sabe na polícia da cidade? Ouvi que o senhor Birmingham comentar sobre possuir uma vaga. — Trocou de assunto e levantou o queixo para olhá-lo de frente, mostrando um falso controlo.

— Senhorita Fuller. — Levantou um braço e o descansou no tronco da árvore, não podia deixar de sentir o cheiro daquela mulher que muito o assombrava. — É um conselho que certamente levarei em conta, mas a polícia não é o meu lugar.

Miriam não esperava que lhe respondesse sem furor, na verdade não o reconhecia mais e aquele comportamento a confundia como nunca. Como esquecer das palavras proferidas no primeiro mês de convivência e compará-las ao homem educado a sua frente que sempre procurava por seu olhar em cada canto da casa onde moravam? Tal confusão lhe tinha causado insónias constantes nas últimas noites, a imagem do beijo sempre se materializava em seus pensamentos mais profundos mesmo quando insistia em afirmar que não era de alguma importância.

— Devo voltar agora para onde me encontrava, sinta-se à vontade para ver seus sobrinhos. — Fugia com a ajuda da desculpa esfarrapada dita por ele que via os gémeos todos os dias em casa. Sem contar que Callum ultimamente fazia questão de estar mais presente, a fazendo questionar qual seria a razão.

— Espere. Lhe peço. — Segurou o braço coberto apenas pelo tecido leve do vestido, quase podia sentir a textura daquela pele junto do cheiro de jasmim. — É mais claro que a água que a senhorita Fuller me tem evitado.

— Por que o faria? Pelo que me parece coabitamos a mesma casa e nos vemos todo santo dia. — Prendeu um suspiro que insistia em escapar de seus lábios após sentir a mão quente que a segurava.