― " [...] Se o tempo cura tudo, as minhas feridas ainda não curou. Pois as suas asas não me abraçaram num aconchego e a dor ainda me aflige. Se o tempo passou, não sei. Se a minha vida ainda vive, talvez, pode ser. Possuo uma pedra no lugar do coração, não sei quem sou, para onde vou, eu não vivo. Sem ti, eu sobrevivo."
Dante aproximava-se devagar, os olhos brilhavam de preocupação. O frio estava mais intenso, o céu cinzento e o vento frio ajudavam no cenário que surgia a sua frente. Uma Miriam debruçada no jardim a cuidar de flores inexistentes, com alguns fios do cabelo a voar e um olhar perdido. Recitava poemas quase em surdina.
― Miriam ― chamou-lhe parado na porta. ― Vai chover, deverias entrar.
― A água não mata pois não? ― Retorquiu ela que levantou o olhar morto para o homem a sua frente. Dante esboçou um sorriso fraco e meneou a cabeça levemente.
― Mas podes apanhar uma gripe e seria complicado.
A babá encolheu os ombros e sentiu os primeiros pingos virem de encontro ao seu corpo esguio. Voltou a brincar com a terra molhada.
― E quem se importaria? ― Perguntou maldosamente, arrependendo-se de seguida, mas nada disse para retificar, continuou impávida e o viu caminhar na sua direção. Ele respirou fundo e sentiu a chuva fraca molhar o seu casaco, mas não se importou, agachou-se do lado dela.
― Eu me importaria, os meninos também. ― Afirmou com calma. ― O que tens? Já passa algum tempo para te deixares afundar nessa nostalgia. És uma mulher forte e de garra, não vás abaixo assim.
Miriam respirou fundo com pesar e enfrentou-lhe o olhar.
― Estou grávida, Dante. Estou grávida e não sei o que fazer ― confessou num sussurro que para ele se transformou num ribombar.
Três meses atrás, a tia Virgínia conseguiu que Callum voltasse a visitar a sua família. Fora um momento de tensão. Apesar de ter comida à fartura e bebida, todos pareciam concentrados em qualquer outra coisa, os olhares perdidos em qualquer lado e as mãos inquietas. Inclusive os gémeos que não sabiam direito o que se estava a passar, olhavam preocupados de um para o outro.
Bateram a porta e o ambiente esfriou.
O filho de Sara começou a chorar, obrigando-a a levantar-se para a cozinha para fazer o leite. Dante olhou para a sua tia que acenou positivamente com a cabeça, como se lhe desse certa força. O pai de família levantou-se apreensivo, uma angústia lhe enchia o peito e abriu a porta.
Os olhos azuis acinzentados de Callum, brilharam, e os mesmos vasculharam o cómodo até encontrarem uma Miriam escondida num canto.
― Seja bem-vindo ― A tia Virgínia ergueu-se com um sorriso amplo que morreu assim que viu Madame Bouvet e Nina surgirem atrás. ― Arlette, Marina.
― Nina ― corrigiu a própria, indignada. Era inconcebível o facto da tia do seu marido não saber o seu nome. Segurou a mão do marido que se apressou a desfazer-se da mesma.
Entraram para a sala quente, e Ferdinand serviu-lhes bebidas e aperitivos. Callum ainda mancava, sentia uma certa dor no peito e a sua respiração estava um tanto aflita, mas tentava disfarçar a todo custo.
Sara voltou com o bebé adormecido e cumprimentou as senhoras, sem deixar de beijar o seu tio com muitas saudades.
― Oh que bebé mais bonito, mal posso esperar para termos o nosso, não é? ― Empolgou-se Nina que acariciou a pele branca de Ben que estava gordo e balbuciava muitas palavras sem parar.
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Xadrez, à Preto e Branco
Historical FictionEm finais do século XIX, a sociedade vitoriana era pródiga em moralismos e disciplina, com preconceitos rígidos e proibições severas. O abolicionismo também ainda estava marcado no coração dos ingleses, e em pequenas cidades a intolerância ainda tin...