O Sacrifício de Tia Virgínia

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Enquanto caminhava para o trabalho, Dante pensava na morte de tia Laureen, aquilo não era nada agradável para si, apesar de não gostar dela não desejava que morresse. Cada vez percebia que aquele jogo tornava-se mais perigoso, e que Callum era de tamanha importância para Madame Bouvet, não conseguia descobrir o por quê. Quando chegou a porta do jornal, percebeu que havia um aglomerado de pessoas que protestavam e assim que o viram começaram a soltar insultos e imprecações.

― Foi para isso que deixou o meu marido morrer, não foi senhor Morgan? Para se casar com uma negra e lhe tirar dos grilhões para ser senhora de casa. ― Eloise Birmingham, a viúva de seu amigo Ian, estava entre os transeuntes. Ainda vestia o luto e deitava-lhe um olhar de desprezo e acusador que o fez sentir-se péssimo.

― Eloise ― Dante tentou se aproximar, mas foi agredido por um outro homem.

― Vá embora desta cidade e carregue os seus macacos para a selva! Aqui não iremos permitir tamanha afronta! ― Gritos vinham de todos os lados, soltavam palavras pejorativas e coisas horríveis de se ouvir. Dante com muito esforço conseguiu se desenvencilhar dos braços que o puxavam e finalmente entrou para o jornal com as portas fechadas como proteção. Encontrou todos os colegas que o olhavam como se ele tivesse cometido um crime muito grave.

― Boas ― saudou, confuso. ― Temos de chamar a polícia, está uma confusão lá fora.

― A única coisa que tem de fazer é se desculpar perante o Padre Cornelius e redigir um outro texto contrário ao da última edição. ― Wilsen Hans era o director, um homem alto a beira dos quarenta anos, com um cavanhaque e os cabelos precocemente grisalhos. Dante soltou um riso e aproximou-se dele.

― Eu não farei isso, se me permite perguntar onde está a liberdade de expressão dos jornalistas? Hans? ― Questionou a sentir-se injustiçado, e olhou a sua volta em busca de apoio, mas ninguém estava do seu lado.

― Se não o fizer terá de deixar o jornal, o que seria uma pena afinal tem um talento nato. Mas este jornal tem uma reputação a manter, e não é o senhor Morgan que a vai destruir. A única solução é se redimir diante do Padre, caso contrário... ― Hans não terminou e viu os olhos de Dante escurecerem.

― Espero que não se arrependa ― disse antes de sair porta fora. As pessoas ainda tentaram persegui-lo, mas Dante adiantou-se e estava submerso nos seus próprios pensamentos. Não conseguia assimilar exatamente o que acabava de acontecer, o jornal sempre foi a sua vida e era tudo o que sempre conhecera. Uma rotina da qual jamais pensara se desfazer, e tinha os filhos, como iria sustentá-los? E sua suposta mulher? Não seria um preço muito caro a pagar?

Chegou em casa sem saber como e bateu com a porta. Passou as mãos pela cabeça num movimento exasperado e fechou os olhos.

― Dante. ― Miriam estava bonita a arranjar o chapéu sob a sua trança presa na nuca. Ia fazer compras para casa e depois buscar os meninos na escola. ― Estás ferido! ― Ele tinha sangue a escorrer do nariz pelo murro que levara de um dos protestantes à porta do jornal. Miriam correu para levar a caixa de medicamentos, fez o patriarca sentar-se e começou a limpar e desinfetar a ferida apalpando o nariz para ver se estava no lugar.

― Fui agredido e despedido. Ai! ― Contou baixo, um tanto envergonhado e de vez em quando afastava a cara para evitar a mão firme que o limpava. Ela ficou alguns segundos calada antes de falar.

― Isso tudo por minha culpa, não desminta!

― As pessoas são ignorantes e mesquinhas. No que é que a minha vida lhes importa? Com quem eu me caso ou durmo? ― Ele afastou a mão dela.

― Está a perder tudo o que mais gostas e eu me pergunto o por quê? Valho tudo isso?

― Por justiça, Miriam. Não posso mudar o mundo, mas posso tentar mudar algumas pessoas. Tenho de lutar pelo lugar onde os meus filhos estão a crescer. Não vou fugir e nem recuar, e não temo o que possa acontecer. As pessoas algum dia terão de cair em si ― disse confiante e sempre com o dom da palavra e de convencer, mas mesmo assim a babá se sentia triste.

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