― A sua tia o descreveu deveras bem ― disse Miriam preparando-se para carregar a sua mala, mas Dante chegou primeiro.
A surpresa inicial ainda não se dissolvera: Miriam era negra, com a pele cor de noite. Tinha os cabelos numa trança longa até ao centro das costas e uns olhos escuros com pestanas longas. Seu sorriso branco exibia dentes certos e sua postura era correta. Usava um vestido verde de mangas justas, a parte de cima do corpo enfeitada com babados cobrindo o ombro, a saia em forma de trombeta com muito volume na parte de trás e o molde adquirido junto com o espartilho era da forma de uma ampulheta.
― Não pensei que fosse chegar em tão pouco tempo. ― Empurrou o pequeno portão que separava a casa da estrada e onde o jardim mal cuidado não escapou do olhar crítico de Miriam.
― Vim de trem ― justificou seguindo-o em passos curtos e a segurar a pequena bolsa de pano nas mãos. Viu Dante abrir a porta sem hesitar e se afastar para que ela entrasse primeiro na casa.
― Meninos! ― Gritou parado no início das escadas. ― Sara, Ditch, Gabriel!
Parecia empolgado e virou-se para ela, ainda surpreso. Apesar de ser raro pessoas negras aparecerem em Little-Woodshire, ele já havia visto alguns e, não era isso que o deixava surpreendido de todo, mas sim a aura quase mágica que cobria aquela mulher de sorriso enigmático.
― Sente-se por favor. ― Apontou para o sofá, e Miriam acenou de leve com a cabeça, mas antes que pudesse sentar escutaram o barulho que vinha de cima. Passos a correr pelo corredor e gritos agudos.
― Ditch! Devolve o meu diário! Ditch! ― Gritava Sara zangada no alto da escadaria de madeira.
― Papá, papá! ― O menino desceu os degraus com um ar buliçoso. ― A Sara gosta do senhor Birmingham.
― Calúnia! ― As faces da adolescente ficaram vermelhas assim que chegou ao fim das escadas e olhou para o pai. Cruzou os braços na altura do peito. ― O senhor Birmingham possui muito mais idade do que eu.
Dante olhou para a filha de sobrolho unido, pensava se seria verdade que ela estivesse interessada no seu melhor amigo. Sara arrancou o diário das mãos do irmão num ímpeto.
― Ele nem sabe ler, pai ― disse com calma e de respiração acelerada pela invasão.
― Sei sim, já tenho a idade! ― Retorquiu o pequeno traquina, cruzou os braços e tirou a língua de fora.
― Parem já com isso! ― Dante ordenou e passou a mão pela cabeça. ― Onde está o Gabri... ― Não terminou a frase e o menino já descia pelas escadas devagar sempre com a aparência calma. ― Venham todos aqui.
Reuniu os seus filhos, e só então repararam na mulher parada perto dos sofás.
― Quero que conheçam a senhorita Fuller ― apresentou com delicadeza. ― Ela vai ser a vossa babá.
Miriam sorriu.
― Olá meninos ― disse aproximando-se com os olhos a brilhar. ― A moçoila decerto é a menina Sara.
A jovem encostou-se ao pai, desconfiada e franziu o sobrolho.
― Correto. E estes são o Ditch e o Gabriel, não deixe que a ludibriem. ― Dante tentou ser divertido, mas sentiu seu filho apertar a sua mão com força. Não pareciam confortáveis com a figura feminina que ali se encontrava.
― Sou bastante atenta ― garantiu Miriam que parou a meio do trajeto ao perceber que não era bem recebida de todo. No entanto não largou o sorriso amistoso.
― Boas. ― Gabriel deu o primeiro passo e esticou a mão pequena e pálida para ela. ― Por que és tão diferente?
― Gabriel! ― O pai repreendeu envergonhado.
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Xadrez, à Preto e Branco
Historical FictionEm finais do século XIX, a sociedade vitoriana era pródiga em moralismos e disciplina, com preconceitos rígidos e proibições severas. O abolicionismo também ainda estava marcado no coração dos ingleses, e em pequenas cidades a intolerância ainda tin...