Casamento

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 Miriam olhava-se ao espelho, o vestido comprado às pressas lhe servia como uma luva e disfarçava a barriga que começava a agigantar a andares largos. Não dormia há três dias, e aquela noite fora a pior de todas. Ditch parecia não receber bem a notícia do casamento embora não tivesse comentado nada sobre o assunto desde que tivera conhecimento, deixara de ser o menino traquina para se fechar a um silêncio constrangedor. Por mais que Dante lhe dissesse o contrário, sabia que estava a destruir uma parte daquela família ou pelo menos a deixar sequelas que não seriam fechadas. Voltou-se mais uma vez e sorriu ao perceber que estava mesmo bela, nunca se imaginara casada, e se aquilo era para Dante o máximo que podia, para ela era o melhor. Também pensava que podia ter enviado convites para Iara que era como uma mãe para si, Ezequiel que sempre a acompanhara e, inclusive para Amanda com quem tinha cortado relações há muito tempo. Eram pessoas do seu passado, mas com um elevado grau de importância.

Estranhamente não pensara em Callum, com o passar do tempo muita coisa se tinha transformado em seus olhos e uma delas era Dante, a força de vontade que o homem tinha para ultrapassar tudo e superar as adversidades que surgiam, mostrando-se muito melhor e de mais valor. Desde que chegara naquela casa, o patriarca tinha demonstrado uma coragem jamais vista em nenhum homem, sendo ainda de raça branca e a defender uma mulher negra contra tudo e todos, como sua igual, tendo perdido muita coisa pelo caminho. Era um homem bom e merecedor de uma esposa que o amasse.

Muitos dias tinha acordado triste, mas naquela manhã as coisas eram diferentes, não se sentia mal e nem com medo. Passou a mão pela barriga sentindo a vida que crescia com força dentro de si, era pelo seu bebé que Dante lutava. Tomara a liberdade de pensar que o dono de seus sentimentos fosse voltar a correr para os seus braços, que perceberia que o filho era seu e que a amaria como tinha prometido. Não desejava muito de Callum, até por reconhecer seu génio difícil, só queria saber se a amava e mais nada. Contudo ele não se importava, e só por isso talvez fosse hora da babá olhar para o que lhe era estendido na frente.

Bateram na porta e se assustou. Correu para usar um robe por cima do vestido e a surpresa foi ainda maior quando abriu a porta e deu de cara com Sara. O vestido que a jovem usava era digno de festa, de cor verde e com bordados prateados, estava cada dia com um ar mais maduro e mais mulher.

— Eu... não esperava — disse Miriam num tom quase mudo, sua voz perdeu-se no meio de suas emoções. Afastou para a jovem entrar e fechou a porta.

Lá fora a chuva tinha parado de cair, e viu Sara parar de frente com uma pequena caixa de madeira na mão.

— Quero pedir o seu perdão — disse, sua voz saia monocórdica e seus olhos fixavam algum ponto entre os olhos e o nariz de Miriam. Ela engoliu em seco e não deixou falar a mulher que outrora fora sua babá e que em poucas horas seria a matriarca dos Morgan. — Fui infantil, medíocre e preconceituosa. Esqueci tudo o que fez por mim quando mais precisei e pela minha família. Apesar de ser algo que estava distante dos meus desejos, eu deveria ter respeitado desde o início.

— Eu compreendo e fico feliz que estejas de volta para nós, o teu pai...

— És uma grande mulher e de sorte também. Não sei como não percebi antes. — Sara sorriu e finalmente encontrou os olhos da babá que tremelicavam sem parar dentro dos orbes cujas pupilas estavam dilatadas, imitando uma base de xadrez Preto e Branco. — Percebe que isto tudo que meu pai faz é muito mais do que por ser o mais certo a fazer? Ele tem passado por tudo e por todos, e não sei se nunca se deu conta que ninguém pode ser bom demais para os outros do que para si mesmo se não for por amor. Ele a ama, Miriam.

Aquela revelação caiu como um colisão de verdades para Miriam que sentiu como se tivesse sido traída pela própria ignorância, sempre se considerou uma pessoa inteligente, neste caso tinha fingido não ver o que estava mesmo diante de seu nariz e andou devagar passando por Sara e sentou-se na cama para onde não mais voltaria. Escondeu os lábios carnudos dentro da boca e meneou a cabeça devagar.

Xadrez, à Preto e BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora