Tormento

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Miriam bebeu muito pouco, mas pela primeira vez. O sabor do rum não era mau de todo e deixou-lhe meio tonta. Aquele cheiro a fazia lembrar-se de Callum, e sentiu que seus olhos enchiam-se de lágrimas, tanto como um frio lhe passara pela barriga. Vê-lo naquele mesmo dia tinha deixado um sabor amargo dentro de si, por um minuto acreditara que o jovem Morgan fosse ser contra o casamento, que ia raptá-la e fugiriam para longe da vista de todos para um lugar onde pudessem reacender a chama daquele amor que aos poucos se apagava. Mas não, simplesmente se afastara para deixá-la no altar com outro, erradicando qualquer esperança de um dia o amor dos dois florescer.

A babá recriminou-se por dentro, tinha escolhido ficar com Dante como seu marido, o homem que sempre a tinha acompanhado e ultrapassado todas as barreiras por si, por isso deveria afastar aqueles pensamentos da sua cabeça. Não existiam. O amor deveria ser calmo e paciente e não tumultuoso e impulsivo.

À sua volta a mesa de jantar servia um generoso banquete, façanha de Dante que se livrara das últimas economias para que festa fosse feita e agora mesmo com uma nova data para dali a três meses, e em sigilo completo, deveriam desfrutar da comida.

Mallory conversava com o Padre Benedict que ficara a bebericar um pouco de vinho, diferente do marido de Sara que já ia no quinto copo de rum. Dante conversava feliz com os seus filhos, seu neto repousava em seu colo como se soubesse que não poderia fazer birra diante do mais velho. Miriam era a única que se encontrava distante, com a mão – cujo dedo anelar envergava um anel de noivado – em cima da barriga.

O cheiro da primavera que se tinha instalado na cidade não competia com o de rum que se tinha alojado no olfato da babá, tanto quanto o paladar que lhe fazia lembrar o sabor dos lábios de Callum. Por um impulso levantou-se aturdida, o ar fresco enchia a sala alegre e caminhou em direção à janela, afastou as cortinas e reconheceu-o naquela escuridão, seus olhos fixaram-se aos dele por instantes, e era como se conseguisse sentir cada palavra que Callum queria dizer em silêncio. Pareciam de amor.

"Eu te amo" os lábios teriam balbuciado, e por um momento a vontade dela foi sair porta a fora atrás do homem cuja vida não a deixava amar.

— Miriam. — Dante surgiu por trás, uma mão entrelaçando a cintura que começava a alargar e a sua cabeça por cima do ombro delicado. Ela virou-se, encontrando o homem radiante ao seu lado. — O que faz aqui à janela?

Sorriu sem saber o que responder, seus olhos automaticamente voltaram-se para o outro lado da rua, e os de seu futuro marido também seguiram-na, tendo encontrado nada mais que um vazio. Callum já não estava lá, tinha desaparecido.

— Adoro a primavera — disse, fechou os olhos ao sentir a face de Dante junto da sua. Devia apagar Callum de dentro de si, tinha de o deixar ir e não alimentar seus fantasmas. Seria a senhora Morgan, e tinha sido Dante quem teve maior coragem para tal, então devia fazer jus a isso. — Vamos sentar-nos.

Sara ria em alto e bom-tom com o seu irmão Gabriel, diferente de Ditch que estava estendido no sofá sempre irritado com o que quer que fosse, parecia até uma personificação de Callum.

— Pai, pai! — Gabriel correu até eles com um sorriso de felicidade bem desenhado em seu rosto infantil e belo. — Venham dançar.

Miriam desta vez não se negou a dançar, e assim que o gira discos começou a tocar uma melodia, ela uniu-se ao noivo sem esconder o sorriso. E enquanto seus corpos se aliavam numa dança, os poucos presentes aplaudiam e se animavam com a cena toda.

— Quem a terá ensinado a dançar? — Indagou o patriarca sempre alegre, mas quando a amada baixou os olhos, percebeu a resposta.

Bateram a porta. Sara se levantou para ir abrir ficando estupefata com a visão de uma Nina Bouvet completamente atordoada, seus cabelos estavam presos num apanhado mal feito e seus olhos borrados pela maquilhagem de tanto chorar.

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⏰ Última atualização: May 17, 2021 ⏰

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