Uma Carta à Rainha

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 Dante não podia acreditar no que seus olhos estavam a ver e seus ouvidos a ouvir. Estava na capela da Igreja com o Padre Cornelius. Um homem quase calvo, com alguns fios brancos e olhos profundos e escuros. Andava meio curvado pela idade e vestia uma longa túnica branca com bordados dourados.

― [...] Entendo senhor Morgan, mas tente-me compreender. Não posso conceder o seu matrimónio com uma mulher negra aqui nesta paróquia. Os habitantes desta cidade não iriam reagir bem, e pode ser que mesmo cego de paixão o senhor esteja a exagerar. Não se leva alguém de cor ao altar. ― Enquanto falava, o Padre acendia as velas do altar. ― Já ouvi dizer que são mulheres muito quentes, Deus me perdoe, e sei como é a sede de um homem. Case-se com alguém de direito e esqueça esse pecado.

― O senhor percebe o que me está a dizer? Isso é discriminação e preconceito, não sei que Deus é o seu, mas o meu não admite tal coisa. O senhor é um Padre, não deveria dizer-me coisas horríveis.

― O que quero dizer é o impacto que isso vai trazer na nossa sociedade, eu mais do que ninguém devo preservar o bem-estar do povo. Não posso desencadear uma guerra entre os crentes e a Igreja. Eles poderão agredir-me. O que quero é que repense nos seus atos e não apenas em si, como pensa que as pessoas vão encarar tudo isso?

― O que faz neste lugar não é combater injustiças, ajudar os errados a encontrar o caminho certo? Prefere que eu evite ao invés de acabar com todo o preconceito na sociedade em que vivemos? ― Dante levantou-se indignado, seus olhos azuis não paravam quietos. Quando saíra de casa pela manhã a fim de ir marcar a data de seu casamento não esperava que o Padre fosse se negar a realizar tal facto.

― Infelizmente a vida não é tão simples assim. A sociedade de hoje tem muito mais peso. Verá do que lhe adverti se continuar com esta ideia maluca. Eu não vou compactuar com isto, não nesta Igreja. Antes reze duas Aves Marias e dois Pai-Nosso para que consiga refletir direito ― rosnou o Padre Cornelius, indignado. ― Se não tem mais nada, por favor, tenha um bom dia.

Dante engoliu em seco antes de balançar a cabeça devagar e sair pelo mesmo caminho que entrara e que tão bem conhecia. Ele tinha sido batizado e crismado naquela Igreja, cumprira todos os votos e frequentava as missas, agora sentia-se amargurado por descobrir que fizera parte de uma farsa e sentiu náuseas assim que alcançou a estrada. Respirou fundo e tentou se recompor a pensar qual seria o próximo passo.

― Dante! Dante! ― Um coche parou ao seu lado, e quando a porta se abriu, Lola surgiu sempre bela e bem trajada. ― Far-me-á companhia?

― Eu estou à <caminho do jornal. ― Esquivou, ainda se sentia mal quando a via, conjeturava que de alguma forma a tinha magoado e isso era a última coisa que desejava para uma mulher tão boa.

― Eu o levarei até lá. ― Insistiu e abriu ainda mais a porta para que entrasse. Dante sentou-se de frente, o olhar dela denunciava a tristeza e então o coche começou a andar.

― A temperatura por estes dias tem estado muito boa, nada de chuvas e até tem surgido um bocado de sol ― pigarreou, inventou uma conversa e aproveitou-se da mesma para olhar pela janela e ver as ruas que continham poucas poças de águas e árvores quebradas que estavam a ser removidas. Escutou Lady Straton rir.

― Não é para falar sobre a temperatura que o pedi para vir comigo ― disse e sentiu o olhar azul e inquisidor lhe encarar. ― Conversei com a sua tia Virgínia, aliás, foi ela quem me chamou para um chá e me contou a verdade, Dante. Sobre Callum e Miriam, e o que você está a fazer por essa mulher.

― Ela fez o quê? ― Quase gritou sem acreditar no que acabava de ouvir e pestanejou incrédulo. Seu coração começou a bater, mas Lola colocou uma mão enluvada sobre sua perna como se lhe pedisse para ter calma.

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