Borboleta

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O ano é 1942, as coisas estão terríveis, são tantas mortes que os corações agora chegam a amargurar e doer, as pessoas dizem que é o fim do mundo, que é uma profecia bíblica, já eu acredito que seja o medo sendo exposto. As mulheres durante a segunda guerra tiveram papéis importantes, tanto nos bastidores, quanto indo a frente, algumas dirigiam tanques, outras atuavam como enfermeiras, no meu caso, como psicóloga.

Boushierd é um nome tipicamente alemão, mas minha infância lá durou apenas até meus 10 anos, meus pais foram para os Estados Unidos,  residimos em Massachusetts onde fiquei até meus 25 anos, estudei na universidade de Miskatonic, a princípio no curso de direito, mas episódios me fizeram mudar o rumo e ir para Psicologia. Aparentemente sou uma solteirona, muito velha para relacionamentos, hoje vivo na Alemanha, ah! Se soubessem de toda minha história, homens têm medo de mulheres que falam demais ou que pensam demais, não aceitam questionamentos, querem uma dona de casa e eu não nasci para ficar com a barriga presa a uma pia cheia de louças, eu sempre quis mais, prefiro ficar sozinha.

É de conhecimento geral que eu não tinha partido sobre essa guerra, eu sou uma pessoa neutra, afinal meu trabalho não me permite saudar nenhum líder militar, fora que tenho um nojo enorme das atitudes deles, mas pessoas estão adoecendo mentalmente e é meu dever ajudá-los, muitos dos homens e mulheres que vão para esse cenário não tem escolha, não tem condições de dizer um não, é uma época complicada, uma situação difícil, me doía ver pais de família a beira da loucura, mães desesperadas para que seus filhos recuperassem o mínimo de sanidade, nessas horas eu agradecia por não ter marido ou crianças, por mais que eu adorasse os pirralhos correndo, que fosse um prazer atender os menores, eu não queria ver meu marido ou meu filho indo para a morte.

Me perdi em meus pensamentos e a memoria de Hanz chegou até mim, ele estava como todos os outros soldados, olheiras fundas, branco feito uma nuvem, tremia como se a qualquer momento seus membros fossem fraquejar e qualquer barulho mais alto o assustava. Era difícil imaginar que aquele homem tivesse coragem de levantar uma arma e atirar em alguém naquele estado, mas conforme conversamos ele parecia recobrar um pouco da sanidade, foi em uma das conversas que ele chegou em meu apelido.

- Guten Morgen, Herr Hanz. - Lembro que nesse dia eu tinha um laço amarelo no cabelo, abri a porta como sempre faço, apesar de ter uma secretária comigo, havia pacientes que eu gostava de receber pessoalmente, era o caso de Hanz.

Dei a passagem para ele, os olhos dele pareciam mais vivos, duas orbes verdes brilhando para mim e um sorriso quente como raios de sol, os cabelos loiros penteados para trás, ele tinha margaridas nas mãos, um buquê, aquilo me fez erguer uma das sobrancelhas, sem entender o porquê das flores.

- São para a senhora... Lady Boushierd tem me ajudado muito, então como não aceita meus convites para um café, resolvi trazer um presente. -

Demorei um pouco para processar o que ele dizia, mas acabei sorrindo, toda sem jeito, era comum receber presentes, homens achavam que eu iria amolecer e dar uma entrada sobre relacionamentos fora do consultório, mas Hanz já sabia que não teria jeito, ele realmente tinha a voz sincera, era um presente e não uma tentativa de flerte, eu sabia bem daquilo, finalmente meu paciente estava melhorando e meu coração esquentava com aquela cena. A pele de minha bochecha se tornou rubra por baixo das sardas, com um sorriso em meus lábios para ressaltar ainda mais o vermelho delas.

- Obrigada, Hanz! São adoráveis. -

Segurei o pequeno buquê, quatro margaridas, ele era realmente uma pessoa gentil. Ao entrar Hanz foi até o balcão de lady Minerva, dar um bom dia para a secretária, o apelido de lady foi uma brincadeira minha com ela, que acabou pegando entre os pacientes, ele a cumprimentou alegremente, segurando a sua mão e dando um beijinho, um verdadeiro lorde, eu dei um riso baixo com aquela cena antes de me virar e fechar a porta, foi quando ouvi a voz grossa de Hanz falando sobre o meu laço amarelo.

Os Gritos de HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora