Delírios ou apenas outro buraco?

13 1 0
                                    

Tentei abrir o diário ali mesmo, o deixei ali, em uma página qualquer, tinha um desenho estranho, não o olhei direito, por mais que  quisesse ler o mais rápido possível eu ainda tinha atendimentos para fazer, não poderia dar as consultas de cabeça cheia, olhei para o teto, jogando o corpo para trás, abri alguns botões da camisa, formando um breve decote, como se estivesse com calor e respirei, pela primeira vez depois daqueles dias, eu respirei, deixei o ar entrar, enchendo os pulmões,  então soltei a respiração devagar pela boca, fechando os olhos, um breve conforto, uma breve sensação de calmaria.

“ Quando você cava um buraco, pode encontrar três coisas… Um cadáver, uma maldição ou um tesouro, se eu cavar aqui, o que eu vou encontrar?”

Foi a frase que eu disse para Rech, agora ela voltava para assombrar a minha curiosidade.

— Helena! —

Ouvi a voz do professor Campbell, ele vinha correndo com uma maleta, parecia desajeitado, mas tinha um sorriso encantador, os cabelos levemente cacheados, curtos e loiros, o olhar vivo, era inspirador para qualquer aluno de direito, ele tinha paixão por tudo aquilo.

— Bom dia, senhor Campbell. —

Ele olhou para os lados, se certificando de que ninguém estava olhando, era cedo, estávamos nos corredores da universidade, ninguém é doido de acordar cedo em um final de semana, apesar de que eu fazia parte de alguns clubes, então era comum ver alguns alunos e eu andando por aí.

Sem muita cerimônia, ele colocou a mão livre na minha cintura e me deu um breve selo nos lábios, meu coração se aqueceu naquela manhã fria, Jeremy queria que eu me formasse logo, afinal era contra as regras uma aluna ficar com um professor.

— Lady Helena?

Disse Minerva, ao me ver arrumar a mesa do escritório, distraída, sem me lembrar do resto do dia, o que era estranho, mas provavelmente era o cansaço.

— Sim? — Era notável a confusão em minha voz, como se não soubesse por um momento em que local eu estava.

— Quer que eu e meu marido…

Já sabia o que ela iria sugerir, uma carona, mas sendo sincera, não queria entrar no carro um homem do partido e sua esposa, sabia que ela tentaria me fazer falar, Minerva podia ser gentil, mas era muito esperta, não era bom se deixar enganar por sua bochechas coradas e sorriso meigo.

— Preciso tomar um ar, vou caminhando, minha casa não fica tão longe, obrigada pela preocupação Lady Minerva.

Fiz sinal para que ela pudesse ir embora e nos despedimos, fiquei para fechar o consultório, peguei tudo o que precisava e sai. Acho que demorei apenas 20 minutos para tudo isso, do lado de fora algo me chamou atenção, pude ouvir sirenes e um carro de bombeiros passando acelerados, vi fumaça do outro lado da esquina, justamente onde iria passar, como toda boa civil curiosa, comecei a andar e acelerei os passos para dar de cara com uma das cenas que ficaria marcada em meus sonhos, mais uma cena… Mais uma…

A floricultura estava em chamas, o cheiro de fumaça e flores queimadas é tão forte, mas isso não se comparava ao horror que era olhar para a parte de cima do prédio e ver a senhora que eu sempre esperei pelo bom dia e a jovem que me atendeu na floricultura penduradas, nuas de cabeça para baixo, nuas, com suas barrigas cortadas e pedaços de suas tripas caindo, nas paredes do local, tinha uma escrita feita com sangue “que seja feita a purificação”.

Os curiosos começavam a se aglomerar, sussurrando baixo, comentando sobre aquela cena, um calafrio subiu em minhas costas, algo me fez olhar para dentro da floricultura, eu vi Hanz através do vidro, fiz Hanz em meio às chamas e ele esticou os braços para mim, pedindo ajuda, eu dei um passo, eu quis correr, mas senti uma mão me segurando, quando olhei para trás, meus olhos se arregalaram e eu caí no chão…

— Jeremy? —

Sussurrei em meio às lágrimas, ele estava na minha frente, com um buraco no peito, sangrando, chorando sangue, eu gritei alto e olhei para as pessoas ao redor, as pessoas estavam me encarando, mas todas com os olhos negros, todas sem expressão, até ouvir a voz de Jeremy.

— Corra.

Ele olhou para a floricultura e eu acompanhei seu olhar, virando meu corpo caído, para a direção da loja, quando vi o mesmo homem da estação de trem dos meus sonhos, agora parado à minha frente e eu ajoelhada aos seus pés.

— HELENA! —

Meus olhos se arregalaram e aquela visão, aquele delírio havia sumido da minha frente e dado espaço para Minerva segurando os meus ombros, ela parece assustada, olhei para baixo, estava de joelho como no meu sonho, atrás da mesa do escritório e não na rua, as paredes brancas, o divã, eu não tinha saído? Sentia meus pulsos ardendo, estavam vermelhos, quase em carne viva, a neblina da fumaça da floricultura deu espaço ao meu escritório, não tinha saído, não estava na hora de ir embora, eu tive um delírio, olhei para a mesa e vi o diário de Hanz aberto, a imagem era justamente do homem que me atormentava nos últimos sonhos.

— Eu cavei demais e achei uma maldição.

Minerva não entendia, mas eu sim.

Os Gritos de HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora