"O Deus Primordial"

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A estrada se estendia à nossa frente, cercada por árvores majestosas que pareciam observar mudas enquanto o carro seguia seu caminho. Rech dirigia em silêncio, e eu podia sentir a tensão no ar. Klein permaneceu ao meu lado, um misto de dor e raiva denunciando seu estado emocional. Nos últimos dias, tínhamos discutido questões sombrias, e tudo o que eu lia no diário de Hanz parecia se entrelaçar com o horror do mundo ao nosso redor.

— Eles acreditavam que poderiam criar uma raça superior — comecei, tentando quebrar o silêncio. — Não era apenas uma questão de aparência, mas de poder. Esqueceram que a verdadeira força vem da humanidade, e não do controle.

Klein fechou os olhos por um momento, e eu pude ver o sofrimento refletido em seu rosto. Ele havia perdido suas filhas gêmeas recentemente, e essa matéria ainda estava muito viva em sua mente.

— Você acredita que eles realmente pensavam que poderiam alcançar esse poder? — ele perguntou, a voz tremendo levemente.

— Acreditavam, sim, e Mengele era o mais insensato deles. Ele tratava aqueles seres humanos como meros experimentos. — Minha voz saiu firme, mas por dentro eu sentia uma inquietação crescente. O que aconteceu àquelas crianças ainda me atormentava. — No diário de Hanz, ele não revela muitos detalhes sobre o culto, mas outros soldados comentavam sobre um chamado. Um chamado de um “deus primordial”.

Klein sorriu, mas não era um sorriso de alegria. Era uma expressão amarga, carregada de dor e descrença.

— Um “deus primordial”? Que tipo de deus se disporia a ver tais atrocidades?

— Um monstruoso. Mas é essencial que entendamos isso, Klein. Eu preciso de mais informações, e a biblioteca central pode ter o que procuro. — Um sopro de determinação passou por mim. O conhecimento era a única arma que tínhamos.

Rech, que até então parecia contido, respondeu em seu tom calmo:

— Vamos encontrar o que precisamos. Mas precisamos ser cuidadosos.

Mal eu sabia que, uma vez dentro da biblioteca, o que encontraríamos seria muito mais do que conhecimento. Assim que atravessamos as portas pesadas, o aroma de livros antigos preencheu o ar. A atmosfera estava carregada de histórias que pareciam querer nos sussurrar segredos, mas algo mais sutil e ameaçador também pairava entre as estantes.

Enquanto caminhávamos entre as estantes de livros empoeirados, percebi Rech se aproximando mais. Ele passou por mim, seu braço esbarrando no meu, e um frio na barriga me fez sentir aquela eletricidade momentânea.

— Você tem uma mente admirável, Helena — ele comentou, com um leve sorriso. — Talvez possamos encontrar mais do que apenas informações aqui, não acha?

Senti minhas faces esquentarem, e quando nossos olhares se cruzaram, uma conexão repentina me fez esquecer, por um breve instante, as sombras que nos rodeavam.

— Quem sabe? — respondi, tentando dar um ar de brincadeira à conversa. — Mas o que exatamente você espera encontrar em meio a tantas páginas empoeiradas?

— Segredos — Rech respondeu, seu olhar intenso ainda preso ao meu. — E talvez um pouco de esperança.

Logo, a atmosfera leve que se formava foi interrompida pela sensação apertada de que algo não estava certo.

— Espera... — murmurei, me virando para ele. — Sinto que estamos sendo observados.

Cada passo que dávamos dentro da biblioteca parecia mais pesado que o anterior. O cheiro do papel envelhecido e a luz suave dos lampiões não conseguiam dissipar a sensação de opressão que nos acompanhava. Eu precisava descobrir mais sobre esse “deus primordial”, e logo.

Enquanto caminhávamos pelos corredores repletos de prateleiras, percebi que Klein estava inquieto, olhando por cima do ombro, seu instinto alertando-o.

— Helena — sussurrou, puxando-me levemente para um canto junto com Rech. — sinto que estamos sendo seguidos.

Rech parou, os olhos imediatamente avaliando a sala ao nosso redor. A sensação de que não estávamos sozinhos se intensificou. Klein se virou e fez um movimento brusco.

— Quem está aí? — exigiu, com um tom desafiador.

E foi neste momento que percebemos. Duas figuras encapuzadas estavam se aproximando, suas silhuetas se movendo furtivamente pelas sombras da biblioteca. A tensão subiu. O que estávamos prestes a descobrir poderia mudar tudo, e a ideia de que éramos alvos agora pesava como uma pedra em nossos corações.

Os Gritos de HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora