Início da redenção.

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Depois ocorrido no consultório, tive que aceitar a carona que Minerva ofereceu. Ao contrário do meu sonho, ela não estava com o marido. Foi um caminho rápido; dá para ver nos olhos de Minerva que ela não queria me deixar sozinha, mas eu a fiz pensar que estava tudo bem.

Dentro de casa, caminhei até a cozinha, deixando minha bolsa sobre a mesa e puxando o diário de capa escura de dentro dela. Sentei-me e fiquei com ele nas mãos, respirando fundo, observando, como se, a qualquer momento, aquele livro fosse se abrir sozinho e de dentro dele pulasse um monstro.

— Você realmente não contou tudo nas consultas?

Falei sozinha e então abri o diário. Na primeira página havia o nome de Hanz, apenas o nome dele. Na próxima, já havia alguns relatos, histórias da infância e adolescência, até chegarmos ao período de alistamento. É de conhecimento que ser um soldado não tem sido fácil. Os horrores que ele descreveu no diário batiam com os relatos contados dentro de meu escritório: as mortes nas trincheiras, os amigos que ele perdeu no começo, até sua promoção para ficar em um campo de concentração em Auschwitz. Segundo ele, ficar no campo parecia melhor do que estar ali. Aquele local foi onde Hanz repensou todo seu patriotismo e se questionou se realmente aquela guerra valia a pena.

Ele viu pessoas sendo levadas para câmaras de gás: crianças, mulheres, pais de família, avós e avôs, pessoas inocentes, cujo único crime era ter nascido diferente do ideal nazista.

Meus olhos começaram a pesar; eu estava ficando com sono mais uma vez. Eu precisava continuar lendo, mas aquilo não era coisa para ser feita em apenas um dia. Fechei o diário e então me levantei, quando ouvi o bater em minha porta.

Deixei o diário dentro da minha bolsa e caminhei até a entrada da minha casa. Abri a porta o suficiente para ver um homem fardado; atrás dele havia outro, ambos altos. O primeiro tinha cabelos extremamente loiros, e o outro, que estava atrás, começava a ter fios grisalhos entre os tons de castanho escuro. Reconheci os olhos castanhos na hora: era o marido de Minerva.

— Herr Küster! Gute Nacht! Minerva está bem? Aconteceu algo? — Abri um pouco mais a porta. Ele sorriu, parecendo feliz por eu ter me lembrado dele tão rápido; não tivemos muito contato.

O rapaz mais jovem também sorriu e fez uma breve reverência, enquanto o senhor Küster continuava a conversa.

— Gute Nacht, Lady Helena! Minerva me contou sobre os homens que estavam visitando seu consultório. Ela disse que eles pareciam mais “exaltados” e queria verificar se a senhora estava bem.

Sabia que Minerva tinha ouvido a conversa e que, com toda a certeza, levaria isso para o seu marido. Olhei para ambos os homens parados ali, cruzei os braços, dei um suspiro e neguei com a cabeça, um sinal falso de cansaço, levando a mão direita até a têmpora.

— Herr Küster, eu já sou bem grandinha. O senhor e Lady Minerva sabem que posso me cuidar sozinha; não precisavam se preocupar. Eu...

— Ela disse que eles te deram um diário, de um de seus pacientes. Está com ele? — O homem mais novo cortou.

Ele recuou um pouco quando o olhei com ar de desaprovação por me interromper, também para afastar mais perguntas.

— Sim, mas ficou no consultório. — Menti, voltando a olhar para Küster. — Eu tenho meus arquivos sobre o suposto paciente, então não tem muita diferença eles terem me entregado aquilo, certo? Acho que um homem que teve alta de sua psicóloga não teria mais o que esconder.

Meus olhos se tornaram pesados, como se aquilo fosse mais uma ameaça, um ponto de intimidação. Küster pareceu entender, mudando a postura.

— Deixei o livro arquivado junto com os dados do paciente. Se quiser algo, pode passar no consultório quando for buscar Minerva, com um mandado.

Mesmo ele sendo do partido, não vou deixar que leve aquilo tão fácil. Ele pareceu não gostar.

— Senhorita Boushierd, sabe que não preciso de um mandado, mas amanhã irei aparecer. — Ele deu um sorriso amarelado e eu retribuí da mesma forma.

— Herr Küster, só não quero fazer nada que vá contra nossos deveres. Preciso ter certeza de que está tudo bem.

Coloquei a mão no peito, aliviando o rosto, com um ar mais doce e inocente.

— Espero que tenham uma boa noite.

Eles balançaram a cabeça afirmativamente e desceram as escadas da pequena varanda de minha casa. Demorei a fechar a porta; até que chegassem ao veículo em que vieram, me olharam uma última vez e eu acenei, gritando de forma provocativa: “Até amanhã!”. Somente então fechei a porta devagar.

Minhas pernas tremiam e eu não entendia o porquê de tudo aquilo. Os detetives tinham razões… Mas o senhor Küster veio pessoalmente? Por quê? Esperei ouvir o barulho do carro e então caminhei até a cozinha, parando na porta e olhando para a minha bolsa.

— Droga.

Lembrei que Rech havia me dado um cartão, procurei nos bolsos da calça até encontrar. O papel azul tinha o nome dele e um endereço. Terei sorte de encontrá-lo lá? Não tinha muitas opções e eu não iria deixar o diário nas mãos dos militares. Por que eu estava pensando assim?

Mordisquei meu lábio inferior, peguei minha bolsa e meu casaco. Mas antes de sair de casa, fui até meu quarto e peguei o diário de Jeremy.

— Se for uma redenção, então que Deus me abençoe.

Era hora de sair de casa e procurar respostas para aquela loucura.

Os Gritos de HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora