Capítulo 8

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Chego com as atividades em Praetorium a todo vapor. A pequena instalação remota serve bem a seu propósito. As crianças que antes eram classificadas como incontroláveis já conseguem dominar seus poderes.

Eu nunca quis abandonar meu cargo de tutor para assumir a liderança de Una. Mas, com vinte e três anos, percebi que essa era a melhor maneira de garantir a segurança de todos. Governar é um jogo de egos, e acredito que apenas pessoas desinteressadas podem fazer isso com eficiência.

Eu não tenho interesse nenhum em fazer parte do conselho. Todos ficaram tão felizes quando assumi. Fizeram um grande alarde: "o conselheiro mais jovem do século". Mas, eu preferia ter continuado fazendo o que realmente importa que é cuidar destas crianças.

São todos poderosos. Mesmo que seja triste, se elas permanecessem em suas comunidades, desastres poderiam acontecer. Por isso idealizamos esse lugar tranquilo, que poucos conhecem.

Tento chegar despercebido a sala da direção, sem sucesso.

— Dante está aqui! — Lilian, uma pequena ignis grita enquanto corre em direção aos meus braços.

— Você está tão grande! Na próxima visita já vai estar do meu tamanho! — falo arrancando um belo sorriso de seu rostinho delicado.

De repente estou rodeado por todos. Naturaes, ignis, flumines, tronitruis, rusticatios, pecus, todos com sorrisos enormes de boas vindas.

É clara a energia que eles emanam. Tanto poder concentrado. De início me perguntei se era uma boa ideia reunir todos em um só lugar. Os questionamentos foram desnecessários, eles se tornaram uma grande família e desde que os trouxemos, ocorreram apenas três acidentes.

— Sim, crianças, eu também estava com saudades! Agora preciso falar um minutinho com quem manda em tudo. — informo enquanto continuo meu caminho até a sala a frente.

Teodora é uma rusticatio eficiente. Mesmo com a idade avançada, permanece firme em seus afazeres, mantendo Praetorium em ordem. Ela é uma das pessoas mais confiáveis que já conheci.

— Meu menino! Finalmente veio me visitar. O que estava fazendo? Governando a nação? — enquanto fala me dá um forte abraço como se houvessem anos que não nos víamos.

— Algo nesse sentindo. Como estão as coisas? — pergunto me sentando e aceitando uma xícara de café.

— Tudo certo. Não se preocupe. As crianças não me dão trabalho algum e este lugar foi uma excelente ideia. Excelente!

Seu entusiasmo é contagiante. Sempre posso contar com a velha Dora para melhorar meu humor. Observo a sala que pretendo compartilhar com minha mentora em breve. A esperança da vez é deixar minhas funções e voltar a ajudá-la. Mesmo que Dora diga que não, sei que as crianças são um desafio.  E eu não confio em ninguém mais para a tarefa de guiá-los.

Fizemos um bom trabalho com a estrutura. Muros altos cercam, mas sem que exista a sensação de aprisionamento. Com amplas áreas verdes, os naturae trabalham felizes durante os dias. Também nos preocupamos em criar salas de treinamento apropriadas, desde aprimoramento físico ao intelectual, onde todos aprendem a ler.

Meu desejo é estender o modelo a todos, não apenas aos indivíduos que oferecem riscos. É necessário um investimento muito alto, além de uma mudança de postura geral. Mas, a melhor forma de garantir um futuro seguro é prevenir que acidentes ocorram. Sem uma preparação adequada, muitos habilidosos vivem a vida sem entender realmente seus poderes e suas limitações.

Minha mãe sempre diz que é um novo pensamento para um novo mundo. Mas, nossos ancestrais já faziam isto. Acredito que a melhor maneira de atingirmos nosso potencial máximo é aproveitar o que no passado era funcional e eficiente.

Tive grandes discussões no conselho. Este é um problema em se governar em grupo: é difícil chegar ao um consenso. Mas, penso que a busca pela a opção aprovada por todos ainda é o melhor caminho. Um governo totalitário não se importaria na busca pela igualdade que tanto lutamos para alcançar.

Cada ano que passa é uma prova de que sim, podemos viver em paz com o mundo e com nós mesmos. Por isso acredito que é o momento de travar uma nova batalha: a busca para atingirmos nosso potencial máximo.

No meu tempo livre é o que busco. Evito usar meu poder. Ele não é importante no mundo sem guerra. Mas, estudo. Leio sobre o universo e sobre o que nos compõe por dentro. Leio sobre o passado e compartilho com quem está ao meu redor.

Fui privilegiado por ter tanto acesso a informações que fazem toda a diferença.

Com essa ideia em mente, passo horas lendo com os mais novos. Eles são tão animados! Em certo momento da história um dos menores não consegue conter sua emoção e dispara pequenas chamas para todos os lados. Um flumine as apaga antes que algum problema ocorra. Caminhamos para a almoço ainda rindo da pequena ocorrência.

Assim que terminamos me despeço de todos já triste por ter de partir. Mesmo com o automóvel para o transporte, a viagem para o Comando de Una é longa, então não tenho outra opção além de prometer um retorno breve.

Quando estou quase no portão vejo uma águia sobrevoando ao mesmo tempo em que sinto a terra tremer. Perco a noção do que está acontecendo, mas algo está muito, muito errado. Tento voltar para a sala de jantar para ver se estão todos bem, mas um garoto me pega já me arrastando dali.

Estou muito chocado, sem entender nada. Quando percebo já estamos atravessando o muro. Neste momento me solto e corro para dentro, mas antes que eu consiga de fato entrar, tudo explode e sou atingido pelos estilhaços. Perco a consciência.

— ... foi atingido por alguns escombros na saída. Não consegui alcançar mais ninguém, tudo simplesmente desabou. Não tem como sobreviver a isso. Estão todos mortos. — ouço uma voz muito longe. Não consigo entender, mortos? Ele não está falando das crianças. Claro que não! Tento abrir meus olhos.

Consigo sentir uma mão quente em meu rosto. Alguém está tentando me ajudar.

— Ele sobreviveu. Ele vai ficar bem. Pode me dizer seu nome? — ouço outra voz, esta mais doce. Uma garota. Mais perto desta vez. Faço um grande esforço, pois ela parece desesperada, como se meu nome pudesse salvá-la de um grande perigo.

— Dante. Meu nome é Dante. — falo usando todas as forças que me restam.

A garota me promete que tudo ficará bem. Que vai me salvar. Mas, como ela fará isso se sua voz dá a impressão de que ela mesma precisa ser salva?

A lenda das estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora