Capítulo 12

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O céu parece se unir com o terreno vazio, que se estende até onde minha vista alcança. Saímos de uma pequena casa e posso ver um prédio mais a frente iluminado. Penso em seguir o caminho até a construção azul, mas a garota está me conduzindo para a direção contrária.

Não conheço este lugar, o que me deixa um pouco apreensivo. Talvez não seja a melhor decisão confiar cegamente nessa pessoa que não conheço. O melhor é permanecer atento a qualquer oportunidade para voltar para Comando. Mas, fraco como estou, provavelmente morreria na primeira noite. É por isso que sempre evitamos nos exaurir, é muito trabalhosa a recuperação quando se sobrevive.

Aos poucos noto que estamos caminhando para uma pequena abertura no chão. O terreno é cheio de rachaduras, por isso a passagem fica despercebida até estar quase caindo nela.

— Não há muito o que se ver aqui fora. Eles estão construindo as moradias na superfície apenas por ser mais cômodo. Mas, antes que eu te mostre qualquer coisa, você precisa entender que essas pessoas são do bem. Elas salvaram sua vida e querem permanecer escondidas. Então ninguém pode saber o que vou te mostrar. — ela fala me encarando com ar de seriedade.

— Você pode confiar em mim. — respondo já me sentindo culpado. Não posso proteger ninguém se isso entrar em conflito com os interesses de Una. Mas, se essas pessoas realmente são do bem, não teremos problemas.

Sofia parece acreditar no que digo. Guia o caminho para um túnel iluminado.

Fico sem fôlego quando atingimos a base subterrânea. A luz da lua entra por uma espécie de claraboia natural que não consigo identificar onde fica na superfície. Daqui consigo ouvir o constante barulho de água corrente.

Da entrada é possível observar vários outros túneis que seguem por quilômetros. Na direção oposta uma grande cachoeira transmite um aspecto quase fantástico a atmosfera do lugar. Das águas uma leve neblina sobe, a luz e a vegetação são refletidos pelo espelho de água. Tudo parece azul e vivo.

— Como isso é possível? — pergunto chocado. O contraste com o que acabamos de ver em cima é inacreditável.

— Os naturae fizeram de tudo para salvar essa região. Acho que eles conseguiram e tudo ficou tão lindo que preferiram manter em segredo. Ou foi só a natureza que continuou lutando mesmo quando a superfície já estava morta. Vitae sobrevive com tudo que é produzido aqui. Eles apenas tomam muito cuidado para que nada seja destruído ou modificado. — ela esclarece enquanto se senta em uma grande pedra perto da beira do lago onde a cachoeira deságua.

— Vitae? — pergunto sentando ao seu lado.

— É o nome que eles escolheram. Não é uma comunidade oficial, mas Emily acredita que ter um nome traz a sensação de lar. Acho apropriado terem escolhido uma palavra que é o equivalente em latim para vida. Nada descreve melhor este lugar. Só de estar aqui sinto o ar mais leve. — fico surpreso com sua resposta. Poucas pessoas sabem a origem dos nomes com os quais batizamos as coisas.

— Porque eles não comunicaram o governo? Não estão fazendo nada de errado. Este devia ser um lugar do qual todos tivessem acesso. Você está certa ao dizer que ele transmite essa sensação de vida. — digo imaginando as coisas que poderiam ser cultivadas e compartilhadas em um local assim.

— Não é que Emily esteja escondendo por mal. Sei que ela compartilharia com todos se pudesse. Mas as pessoas que vivem aqui são excluídas. Habilidosos que se exauriram e nunca conseguiram se recuperar totalmente. Pessoas insatisfeitas com a liderança de suas comunidades, mas que não podem fazer nada em relação a isso. Habilidosos fora do comum, poderosos demais que chamam atenção de forma negativa. É uma espécie de exilo, de refúgio. — ela fala abraçando os joelhos e olhando para a água.

— Você vive aqui? — pergunto com cuidado. Sofia não parece muito aberta em relação aos próprios assuntos. Preciso que ela continue falando para não pensar nas crianças. Este é o tipo de lugar que eu devia ter encontrado para elas.

— Não. Eu vivia em Civitas. Só te trouxe aqui porque sabia que Emily não me negaria ajuda. Ela vivia lá também, mas partiu para logo em seguida chegar aqui. — não deixo de notar que ela desvia do assunto, se esquivando de compartilhar qualquer informação pessoal específica.

— Eu tinha um compromisso em Civitas no próximo mês. O treinamento do novo líder. — falo tentando calcular quanto tempo fiquei desacordado. Com minha falta de energia podem ter sido semanas.

— Hugo Pecus. Ele vai ser um bom líder. — ela diz engolindo as lágrimas que noto chegar aos olhos.

— Sempre ouço falarem bem de Laura. Ela é uma líder firme. Não vai ser uma tarefa fácil substitui-la. — ela se levanta de repente, murmurando alguma coisa que não compreendo, encerrando a conversa. Caminha de forma apressada para dentro da vegetação subterrânea me deixando sozinho.

Algum tempo depois fico preocupado. A presença dela me distraiu dos pensamentos ruins. A cada minuto que passa, fico mais angustiado e mais triste. Penso nos rostos das crianças, de Teodora. É impossível acreditar que estão todos mortos. E a garota que me salvou do mesmo destino parece ter sido engolida pelas árvores estranhas.

Ela retorna antes que eu decida procura-la. Sua expressão é de profunda concentração, como se estivesse tentando se controlar. Ela nota meu olhar de desespero e fala:

— Acho que você precisa de um tempo sozinho. Vou esperar na casa. — saindo em seguida, me deixando com meus pensamentos e livre para chorar por todos que ainda não consigo acreditar que perdi.

A lenda das estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora