Capítulo 5

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Acordo com a profunda percepção de que a primavera está aqui. Desde a cura do planeta, todas as estações são muito definidas. Os climas que antes faziam parte das descrições dos locais quase não diferem mais. O tipo de vegetação é agora a único indício das diferenças daquela época.

Tento me levantar da cama, mas um medo inexplicável me atinge. Eu nunca fiz algo como esta missão. Não sei se conseguirei voltar caso falhe. E tem sempre a questão que nunca verbalizo, mas que ronda meus pensamentos: e se eu estiver sendo enganada, manipulada?

Mas, não existem motivos muito concretos para este medo irracional. Hugo e eu faremos a trilha de oitenta quilômetros, eu invadirei o sistema dessa nova instalação ativando os comandos de implosão, e voltaremos para casa.

Lydia quer que esta instalação seja destruída, segundo ela, para evitarmos problemas com os vizinhos mais próximos. Mesmo com a paz constante, existe tensão entre as comunidades, onde não pode haver crescimento desproporcional entre elas. A instalação, que em breve se tronará um depósito de segurança, foi construída por outra comunidade no território de Civitas.

O que me incomoda é que, geralmente, o governo trabalha para equilibrar o crescimento, evitando assim conflitos maiores. E também não consegui confirmar uma única informação passada pela nossa líder. Não há nada na rede a respeito do local. É como se não existisse.

Então, se ela nem foi catalogada ainda, não deve ser algo importante. Lydia nuca me enviaria a uma missão importante, certo?!

Uma leve batida na porta interrompe meus pensamentos.

— Entre. — digo me levantando, imaginando o que Mari...

— Bom dia, Sofia! Vejo que ainda está se preparando para a grande missão. — Lydia fala enquanto se senta na minha mesa de estudo.

— Estava indo fazer isso agora. — falo em um tom neutro enquanto amarro os cabelos e me sento na cama esperando ouvir o que ela tem para falar.

— Está nervosa? — ela pergunta com um sorriso condescendente. Tento não transparecer meu incomodo pela invasão. O que essa mulher está fazendo aqui?

— Eu mentiria se dissesse que não. É minha primeira missão e ter Hugo me acompanhando me preocupa. Ele é valioso demais para sair a campo. — respondo prestando atenção em sua reação.

— Mas, não podemos simplesmente deixar um garoto forte e jovem como ele preso aqui! Ele ficaria entediado e nos abandonaria. Não concorda? — rebate me encarando profundamente.

— De forma alguma. Hugo nunca abandonaria seu povo. — respondo com sinceridade.

Alguns segundos se passam e uma luta é travada com nossos olhares. Ela ainda não aceita o fato de que não vou abaixar minha cabeça de maneira alguma.

— Mas, consigo pensar em alguém que o motivaria a fazer tal coisa. Ele é um garoto bastante apegado aos sentimentos. — acrescenta tentando me abalar. Permaneço calada esperando ela chegar ao assunto que a trouxe até aqui.

— Deve estar se perguntando o que vim fazer aqui. Só algumas instruções de última hora. Quero que você faça uma cópia do sistema antes de destruir tudo. Podemos acabar encontrando alguma informação que convença Una a tomar nosso partido. Já são muitos anos perdendo território para aqueles usurpadores.

Meridiem é a comunidade mais próxima. Foi onde Lydia nasceu. Seus pais comandavam até que um rapaz mais jovem assumiu e mudou o sistema para que fosse mais inclusivo. Lydia mudou-se para Civitas depois de viajar por alguns meses, se estabelecendo até chegar ao poder, iniciando assim uma forte campanha contra Martins, o jovem que ainda lidera.

Na pequena comunidade de onde tenho minhas primeiras memórias, me disseram meu nome e que meus pais eram de Meridiem. Disseram também que me abandonaram assim que nasci e perceberam que eu não era como eles. Por isso nossos vizinhos sempre me despertou fascínio e raiva. Quando cheguei aqui, minha intenção era cruzar o rio e continuar pelo sul, mas percebi que não valia a pena. No fundo fico feliz se esta missão atrapalhar um pouquinho a vida daqueles que me abandonaram.

— Não se preocupe, cumpriremos a missão sem maiores problemas. — garanto tomando uma postura mais segura para enfatizar minha certeza.

— Assim espero. — fala ao se levantar e voltar para o caminho de seu escritório.

Arrumo minhas coisas e vou até o encontro de Hugo com apenas meu equipamento e uma quantidade razoável de suprimentos. Sem mim, ele chegaria lá em apenas algumas horas, mas com meu ritmo lento, minha necessidade de pausas para descanso, demoraremos quatro dias para chegar.

— Preparada? — ele pergunta sorrindo nervosamente.

— Vamos. — iniciamos a caminhada, quando Mari e Vinicius nos alcançam. Eles estão de mãos dadas, ambos corando.

— Queríamos desejar boa viagem. — Mari fala olhando para os próprios pés. Quando termina avança e me abraça, sussurrando em meu ouvido:

— Obrigada e... tenha cuidado. — sua voz é carregada de significados. Mari é uma garota inteligente. Ela sabe que esta missão não será simples para mim.

— Até mais. — Vinicius diz oferecendo apenas um sorriso.

Hugo e eu continuamos para o início da trilha. O céu está limpo, em um tom de azul acolhedor. As flores de Mari se destacam na paisagem. Ela tem uma identidade própria que emprega em tudo que cria.

— Vai ser bom sair um pouco. Dar espaço para Mari e Vinicius. Quando voltarmos tudo vai estar mais tranquilo e menos estranho. — Hugo fala de forma pensativa.

— Fico feliz por eles. Formam um belo casal. — completo lembrando das mãos unidas mais cedo.

— Quando se cansar me avise para fazermos uma pausa. — ele fala já reparando no meu ritmo lento comparado ao dele.

— Mal começamos, posso não conseguir ir no seu ritmo, mas contando que caminhemos em uma velocidade razoável está tudo bem.

— Ainda não estou feliz com esta situação. Você não devia ser colocada em risco desse jeito. — ele fala franzindo a testa de forma descontente.

— Não vamos começar discutir isso mais uma vez. Eu sou a única que pode fazer isso, então vamos obedecer as ordens e seguir em frente. — digo tentando acelerar o passo.

— Sofia, espere. Você tem certeza que quer fazer isso? Porque se de alguma maneira você estiver descontente a gente pode ir para outro lugar. Podemos simplesmente seguir para o norte ou algo assim.

Imediatamente me lembro do que Lydia disse antes. Hugo faria isso por mim, sei que sim. Abandonaria seu povo, seus pais, apenas para me deixar em segurança. Mas, isso acabaria com ele que sempre foi um líder por natureza. É reconfortante saber que sou mais importante que a missão, mas eu jamais pediria algo assim. Principalmente porque não posso oferecer nada em troca.

— Não se preocupe. Sou parte de Civitas também, como você, preciso pensar no que é melhor para todos. E essa missão é importante, então vamos apenas executá-la logo para voltarmos para casa. — falo segurando suas mãos.

— Tudo bem. — ele concorda já guiando o caminho enquanto passa para sua forma de lobo.

Observo o pelo branco em meio ao verde da trilha e torço para não me arrepender desta escolha quando a hora de destruir a instalação chegar.

A lenda das estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora