Capítulo 3

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A humanidade fez um bom trabalho na tentativa de jamais ser esquecida. Escreveu livros. Construiu monumentos. Quando isso não foi o bastante, as pessoas começaram a ferir o mundo. De uma forma doentia e violenta é como se falassem: "se não vamos sobreviver, o resto da criação também morrerá conosco".

Há cerca de um século, estávamos chegando ao fim. Na época, pessoas com poderes eram chamadas de habilidosos. Cerca de um terço da população ainda continha as características que hoje me limitam.

Nada une mais do que um inimigo em comum. E o vilão era o tempo. A humanidade tinha esgotado sua cota e levaria o planeta terra consigo. Mas, os naturae entraram em ação.

Foi uma grande comoção. Jovens e velhos, de todos os povos da terra, uniram-se para curar o planeta. Em um longo processo, que ainda está sendo finalizado, eles limparam toda a poluição e fizeram crescer novas florestas estrondosas de norte a sul. Muitos trabalharam até a exaustão, sendo levados assim a morte.

Naquela época, um grande conselho entendeu que apenas limpar a sujeira não seria o bastante. Era necessário uma mudança de hábito. Foi assim que a humanidade se afastou da tecnologia. Ano após ano mais famílias adotaram um estilo de vida baseado na busca pelo equilíbrio natural.

As pessoas que não possuíam poderes morreram. Seus filhos, netos, bisnetos habilidosos, geraram o que somos hoje.

Durante toda a minha vida busquei entender porque sou desta forma. Porque apenas eu? Nenhum rusticatio conseguiu responder. Com eles, não temos mais necessidade de médicos, então não há testes que possam indicar a origem da minha limitação.

Eu tenho algumas teorias, mas é inútil ficar divagando sobre isto. Já faz um tempo que deixei de sentir pena de mim mesma.

Acho que agora preciso provar o meu valor. No fundo foi por isso que aceitei acompanhar Hugo. Quero que todos percebam que eu posso ter utilidade.

Em um dos escritos antigos li certa vez: "O homem peca por falta de conhecimento". Essa frase milenar me motiva a sonhar com um mundo onde, sim cuidaremos do nosso planeta, mas onde também não teremos medo do conhecimento.

Sonho com um mundo onde as memórias e o passado são valorizados. Sonho com a oportunidade de ensinar as crianças a ler. Gostaria de dividir com alguém tudo que aprendi durante os anos.

Mas, por outro lado é bom algumas coisas permaneçam esquecidas. É isso que tem me mantido acordada a noite: a terrível arma que encontrei.

Uma bomba do tempo da devastação, capaz de engolir toda a luz de um espaço e sugar a vida de quem era atingido por sua névoa escura.

Civitas foi estabelecida onde antes era um depósito de eletrônicos desativados. Durante todos esses anos nunca temi encontrar nada potencialmente perigoso, mas ali estava. Perto do campo de eucaliptos.

Inicialmente não entendi o que era até pesquisar na rede. Mesmo sendo apenas um protótipo, tive tanto medo que recorri a Hugo. Alguns segundos exposta ao conteúdo tóxico e eu estaria morta. Ele se encarregou de levar escuridão, o nome que os antigos escolheram, para um local seguro. Não preciso mais me preocupar com isso. Eu estou bem, a salvo, preciso dormir e deixar estes pensamentos inúteis de lado.

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Acordo com Mari batendo em minha porta.

— Entre logo Mari! Hoje é o meu dia de folga e me recuso a sair desta cama. — falo com a voz levemente mal humorada.

— Desculpe incomodar, mas os meninos querem ir até o rio. Pensei que você gostaria de nos acompanhar. — ela fala com o rosto corado.

Tenho muita dificuldade em confiar nas pessoas. Acho que se eu desse mais espaço, Mari poderia ser uma grande amiga. Mas, eu já tenho Hugo e Mari não precisa de mim.

— Claro, me dê um minuto. — repondo me levantando e já arrumando meu espesso e longo cabelo.

Enquanto me arrumo penso nas semelhanças entre Mari e eu. Ambas somos muito caladas, ela por ser tímida, eu por ser desconfiada. Somos de estatura mediana, olhos escuros, pele morena. A grande diferença está no corte de cabelo que ela mantém logo acima dos ombros.

Poderíamos passar por irmãs. Talvez, nossas árvores genealógicas tenham algum ponto de semelhança. Somos muito parecidas com as descrições dos indígenas da antiga América.

Hugo também compartilha dessas semelhanças, exceto pelo cabelo que está sempre bagunçado com espessos cachos. Vinícius difere da maioria das pessoas na região, os cabelos são ruivos, conferindo a ele a impressão de que a cabeça está sempre em chamas. É um pouco irônico, considerando o fato de que ele evita suas habilidades.

— Está bonita, Sofia. — Mari elogia de forma gentil meu vestido azul.

— Obrigada. — falo enquanto caminhamos porta afora para nos deparamos com os garotos e, também, com o que parece ser os primeiros ventos da primavera.

A lenda das estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora