Já estou caminhando há vários minutos. Não consigo suportar a culpa pelo que fiz. Dante não perguntou nada a respeito da destruição. Deve imaginar que não tenho nada a ver com isso. O que eu mais quero é contar toda a verdade, mas ele está em um estado crítico. Ele parece confiar em mim e dizer que foi ferido por minha culpa pode piorar sua saúde. Mas desaparecer no meio da estranha floresta subterrânea não vai solucionar este problema. E ainda tenho assuntos inacabados com Laura. Por isso retorno tentando manter minha raiva, minha culpa e meu desespero sobre controle.
— Acho que você precisa de um tempo sozinho. Vou esperar na casa. — falo percebendo que não sou a única tentando manter o controle. Os olhos castanhos de Dante são extremamente expressivos, consigo ver o quanto ele está triste e confuso.
Se dependesse de mim eu já estaria longe, estaria contando ao governo tudo que sei sobre Laura e também sobre o que fiz. Mas, Emily é bastante teimosa. Tenho certeza que ela só está me obrigando a cuidar de Dante porque sabe que minha intenção é buscar justiça. Ele precisa sim de cuidados, mas ela poderia fazer isso.
De qualquer maneira é meu dever garantir que ele fique completamente curado. Os habilidosos são muito resistentes, mas quando se esgotam tudo desanda. O sistema imunológico fica com poucas defesas e, emocionalmente, a maioria quase enlouquece. Penso no que eles fariam se o esgotamento os deixassem como sou de forma permanente. Provavelmente iriam preferir a morte.
Entro na casa exausta de tentar manter a compostura. Tomo um banho quente e choro até que sinto um pouco da angústia passar. Ao menos as coisas estão melhores. Dante dormiu por duas semanas. Pensei que ele não acordaria. Chorei continuamente ao seu lado observando cada mudança. E, finalmente, ele abriu os olhos. É um consolo.
Caminho em direção ao quarto de Emily. Durante esses dias me recusei a deixar o sofá no quarto ocupado por Dante, mas não vai mais ser necessário. Agora é apenas uma questão de tempo e paciência para que ele se recupere. Pelo menos é o que espero.
Depois de quarenta minutos escuto ele chegar. Caminho até a pequena cozinha e o encontro sentado em uma das cadeiras antigas. Os olhos estão vermelhos e inchados. Ele foi muito racional durante nossas conversas, fiquei me perguntando quando ele manifestaria alguma reação ao que aconteceu. Imaginei que o sentimento predominante seria a raiva, mas por enquanto é evidente que ele só sente tristeza. Tenho medo de quando o ódio chegar. Sei que mais cedo ou mais tarde terei que lidar com as consequências disso.
Em silêncio sirvo o jantar que as pessoas da comunidade deixaram para nós. Faço um grande esforço para comer, mais para incentivar Dante a fazer o mesmo do que por vontade.
— Se alimentar bem é essencial para sua recuperação. — falo oferecendo uma porção de legumes que devem estar deliciosos.
— Obrigado. Sofia... eu agradeço por me acolherem aqui, mas ficaria feliz se você pudesse me ajudar a voltar para casa. — é estranho ouvi-lo falar meu nome. É estranho conversar com ele. Fico momentaneamente triste, sem conseguir controlar toda a onda de emoções que tem me atingido desde a implosão.
— Vou te ajudar no que for preciso, mas não podemos sair antes de você se recuperar. Seria muito ariscado. — respondo encarando meu próprio prato quase intocado.
— Só não quero incomodar. E também preciso muito reportar ao governo o que aconteceu em Praetorium. Aquelas instalações estão sendo replicadas e, pelo que aconteceu, deve haver algo muito errado na estrutura projetada. Isso precisa ser resolvido antes que outro acidente aconteça. — ficou paralisada. Meu coração dispara e tento respirar, mas não consigo. Ele pensa que foi um acidente. Esse é o motivo para tanto conformismo! Eu devia contar a verdade. É a coisa certa a se fazer, mas como posso? Estou sem opções no momento. Se quero salvá-lo, terei que mentir.
Eu odeio mentiras. Lembram-me de uma época pior.
— Precisamos de paciência. Logo você estará bem. — respondo tentando passar alguma segurança.
Minha cabeça está doendo. Não fui feita para este tipo de coisa.
— Como você me trouxe até aqui? Teve alguma ajuda? — ele pergunta chamando minha atenção depois de alguns minutos.
— Não. Encontrei seu automóvel e o levei para o mais perto possível de onde você estava. Então te carreguei até ele e dirigi até aqui. Você ficou consciente em alguns momentos. Me disse que se chamava Dante. Sabe, existiu um escritor muito famoso com esse nome. Ele influenciou séculos com a sua interpretação de perdição. — falo sem pensar muito. Estou tagarelando para tentar esquecer a dor de cabeça e o nervosismo.
— Sei disso. Não é uma coincidência. Minha mãe gosta de estudar a cultura antiga. Me surpreende você saber. Não é muito comum pessoas normais se interessarem por nosso passado. — ele fala com um leve tom de curiosidade. É algo bom, ele parece estar se distraindo dos pensamentos ruins.
— Eu não sou normal. Acho que sempre tentei compensar minha incapacidade aprendendo coisas novas. Bom, nesse caso, velhas. Conhecimento também pode ser uma arma. — respondo em um tom melancólico.
— Talvez a única que faça diferença quando as coisas vão realmente mal. — concorda comigo me surpreendendo.
Ele não parece o tipo de pessoa que pensa desta maneira. Para ter sobrevivido e acordado da exaustão, deve ser extremamente poderoso. Noto que ele não mencionou seu poder em momento algum. Isso é estranho, habilidosos sempre gostam de ressaltar o que conseguem fazer.
Não cometo a indelicadeza de perguntar. Ele parece mais uma vez preso em seus próprios pensamentos. Observo quando ele desiste do jantar. Nas semanas inconsciente a barba cresceu, o cabelo negro passa a impressão de estar maior do que ele deve usar normalmente. Apenas olhando eu imaginaria uma pessoa arrogante mas, até o momento, não vi nenhuma atitude que geralmente uso como desculpa para me afastar das pessoas. Sempre me excluo, me isolo, como forma de proteção.
Mas dessa vez é essencial que eu me afaste, que eu fique o mais distante possível. Mesmo que ele não tenha me dado motivos para isso, seria uma burrice enorme me aproximar da pessoa que, tenho certeza, irá me odiar assim que perceber o que fiz.
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A lenda das estrelas
Science FictionOs homens da ciência antiga nunca acreditaram que o mundo sobreviveria tanto. A nação que antes era de gigante natureza, sofreu para resistir a grande devastação provocada pelo próprio homem. Mas, eles encontram uma solução, alteraram a si mesmos pa...