CAPÍTULO 27

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Victoria traçou o contorno das sombrancelhas de Flame com o dedo e ele abriu seus olhos incrivelmente azuis e a encarou sem dizer nada. Suas pupilas alongadas formavam uma linha fina vertical exatamente como os olhos de um gato. Ou um tigre, melhor dizendo, se Victoria considerasse sua força e tamanho.
O dia estava quente com um céu azul tão límpido quanto os olhos de Flame deitado no colo dela.
Ela continuou acariciando sua testa e cabelos e ele voltou a fechar os olhos e soltou um som parecido a um ronronar de gato.Todos se reuniram naquele domingo para um churrasco, na área gourmet que havia atrás do restaurante.
Ela olhou a volta e deu de cara com Vengeance. Ele fez um pequeno sinal com a cabeça a cumprimentando. Victoria não sabia o que dizer. Flame ainda tinha hematomas dos socos que Vengeance acertara em seu rosto.
Flame pareceu não se importar com a surra que levou, mas Victoria não entendia como eles podiam ficar bem, conversar e rir, mesmo tendo lutado até que um deles, no caso Flame, caiu apagado no chão. Ela tinha comentado isso com Flame e ele disse que Novas Espécies eram assim mesmo. Rápidos para se enfurecer e mais rápidos ainda para perdoar. Victoria queria ter um coração desses.
O churrasco estava ótimo. Eles eram muito divertidos. Suas brigas a faziam rir até que lágrimas aparecessem no cantinho do seu olho. Victoria estava adorando essa semana que tinha passado ali.
Ela não sabia como, mas eles pareciam mais sua família do que seus parentes. Sophia, Tammy, Elisabeth e Amy se tornaram amigas queridas que Victoria sentiu falta na semana em que passou na sua cidade.
Havia algo que eles sabiam e ela não. Victoria via isso em seus olhos, todos estavam olhando-a de um jeito diferente. No começo Victoria pensou que estivesse com alguma doença e que eles pudessem sentir antes que ela própria soubesse, ou até que estivesse grávida, mas os enjôos que ela sentiu pararam e agora, ela se sentia bem disposta e animada. Estava comendo mais do que costumava comer, mas a comida do restaurante deles era ótima.
Flame, por vezes, ficava sério como se fosse dizer algo muito importante, mas parecia perder a coragem e logo seus olhos mudavam, ficavam menos sérios, até brincalhões.
"Victoria, posso desenhar seu rosto?" John disse se aproximando. Victoria o achava lindo. Nem acreditava que ele só tinha dois anos. Parecia ter uns cinco, pelo tamanho e muito mais pela inteligência. Seu cabelo negro estava amarrado na nuca como o de seu pai, e o fazia parecer um clone em miniatura de Brass.
"Claro, querido! Se puder me deixar bonita, vou emoldurar." Ela disse arrancando um sorriso dele. Ele ainda não sabia sorrir escondendo as presas como os outros, mas isso o deixava ainda mais lindo e único.
"Posso continuar aqui mesmo, John? Não vou atrapalhar?" Flame perguntou sem abrir os olhos.
"Não precisa sair, tio Flame! Só vou desenhar o rosto dela. Meu pai disse pra mamãe que ela nunca esteve tão linda como quando ela estava grávida. Eu estava esperando alguém engravidar para ver se é verdade. Obrigada por posar pra mim, Victoria!"
Victoria ficou imóvel. Como assim? Ela não estava grávida! Como dizer isso aquele menino tão doce?
Flame se levantou de pronto e Victoria ficou olhando-o. Ele estava estranho.
"E será uma menina, a propósito, tio Flame. Eu já estou muito bom nisso. Quando Ann nasceu eu soube, mas ninguém acreditou em mim. Simple disse que ainda não tinha sentido o que era, mas eu sei, posso sentir. Isso quer dizer que meu nariz é melhor que o dele!" Ele disse sem tirar os olhos do papel onde o rosto de uma Victoria sorridente estava sendo esboçado. Ele olhou para eles e sorriu.
"Victoria..." Flame a olhou com seriedade. Meu Deus! Seria verdade? E se fosse, Victoria não conseguia entender como se sentir diante de uma notícia dessas. E se John e Simple sabiam, todos sabiam. Mas como? Hunter? Ele teria ouvido dois corações batendo dentro dela? A ideia de um outro ser dentro de seu ventre encheu seu coração de alegria e medo, euforia e ternura, e medo novamente.
O olhar de Flame continuava sério e expectante. Ele também já sabia? Era isso que parecia querer dizer e perdia a coragem?
"John, você poderia nos dar licença? Depois você termina." Flame disse. Victoria não conseguia articular uma palavra, nem se sua vida dependesse disso. Sua mente estava um turbilhão. Flame se levantou e pegou a mão dela, a ajudando a levantar. John assentiu com a cabeça e se afastou.
"Eu já fiz o esboço, Victoria. Quando terminar vou te dar. Você realmente está mais bonita, meu pai tinha razão." Disse e saiu correndo ao encontro da mesa onde seus pais estavam dando comida aos gêmeos.
Eles andaram por um tempo calados, como se quisessem adiar a conversa o máximo de tempo que pudessem. Mas Victoria não tinha aprendido tudo sobre carros, se tornado a melhor mecânica de sua família, adiando conversas indesejáveis.
"Você sabia, Flame? E se sabia, por que não me contou?" E se ele não quisesse o bebê? Victoria tocou seu ventre e uma onda de ternura e amor a envolveu. Um bebê de Flame! Uma menininha!
"Sim, eu sabia. Victoria, eu preciso que você me escute, mas com a mente aberta, ok?" Ela parou. Olhou bem no fundo de seus olhos azuis, e tentou não entrar em pânico a toa. Ele não disse que não queria o bebê, nem que ela deveria ir embora. Deveria haver um motivo para ele não ter contado, um motivo que não a faria sofrer.
"Victoria, eu queria muito contar, desde que senti o cheiro de um filhote em você. Mas há uma coisa que eu preciso contar e estou com medo disso fazer você me deixar." Ele engoliu em seco.
Victoria não queria fazer conjecturas, nem adiantar conclusões antes de Flame falar tudo, mas não conseguiu. E se eles devessem ter usado preservativos e ele não falou nada? Eles nunca falaram sobre gravidez, mas Victoria tomava anticoncepcionais injetáveis, ela achava que estava protegida. Sempre soube que eles não tinham doenças sexualmente transmissíveis, todo mundo sabia disso.
"Eu estava em dia com minha injeção, Flame. Ainda falta um mês para eu tomar a próxima. Como posso estar grávida?" Pronto, perguntou. Essa parecia ser a pergunta que ele estava relutante em responder. Será que já havia alguma outra mulher que já teria engravidado mesmo tomando anticoncepcional?
Ele suspirou. Estavam se aproximando da mata que circundava a área gourmet, onde eles se reuniam para seus churrascos e almoços. Havia um tronco caído e eles se sentaram. Flame segurou as mãos de Victoria, e as beijou.
"Eu amo você, Victoria. Amo tanto que estou com medo de te contar o que acho que pode ter acontecido, e você me deixar. Eu não tive culpa, mas eu queria muito isso. Queria muito ver você engordar, ter ver pesada e barriguda com um filhote meu crescendo dentro de você. Uma filhotinha, no caso." Ele sorriu e tocou o coração dela. Uma lágrima rolou pela face de Victoria e ela soube.
Soube que não importava se ele tivesse a engravidado de propósito, ou não. Não importava como esse bebê, fora parar dentro dela, era um milagre, uma benção tão preciosa que tudo o que ela queria era se consultar com a doutora Trisha e ter certeza de que tudo estava bem.
"Eu também te amo, Flame! Não precisa se preocupar, não vou te deixar. Nunca!" Ele a beijou e Victoria sentiu todas as suas dúvidas, todos os medos e receios se dissolverem.
Depois de um tempo a beijando na boca, Flame se afastou, se ajoelhou e beijou a barriga dela, levantando sua blusa. Victoria quase chorou com a felicidade que sentiu.
"Mas eu tenho que contar, Victoria." Ele se sentou de novo no tronco e pegou sua mão.
"Simple e os filhotes acham que engravidaram você, ou melhor, que foram os meus ajudantes. Eu não sei como te explicar isso. Simple tinha um plano, pra colocar um bebê na sua barriga, como ele mesmo disse. Eles estavam colocando antibióticos em tudo o que te ofereceram para beber. Eu conversei com Trisha, e ela disse que isso era muito pouco provável de funcionar, mas eles fizeram. Estão de castigo, a propósito." Victoria abriu a boca e se esqueceu de fechar. Ela se lembrou de todos os sucos e refrigerantes que tomou na semana que passou na Reserva.
"Eu juro que não sabia, Victoria. Eu nunca convivi com filhotes, nunca pensei que pudessem ser tão intrometidos, travessos e terríveis assim." Ele disse e Victoria começou a rir. Ela adorava aqueles filhotes intrometidos.
"Logo, nós teremos nossa própria filhote intrometida, já pensou nisso?" E Flame estava com medo de contar que Simple tinha bolado um plano para fazê-la ficar com Flame para sempre?
"Mas as filhotes são mais fáceis. Veja as florzinhas de Tammy e Valiant. Elas são uns amores." Ele apontou para Violet e Daisy sentadas com Sarah e Lunna conversando animadamente como mocinhas.
Victoria tinha passado um dia com Tammy e as florzinhas. Houve um momento em que Violet deu uma mordida tão forte em Daisy que precisou levar pontos. Mas achou melhor não informar isso a Flame.
O dia estava lindo e ela tinha descoberto que estava grávida! E mais importante: Flame tinha dito que a amava! Victoria pensou na felicidade dos pais quando dissesse que iria morar na Reserva. E que havia uma netinha a caminho. O pai iria quase explodir de alegria.
"No que está pensando, meu amor?" Flame perguntou. Victoria o beijou por alguns minutos. Ainda haviam seus planos de carreira, sua tão sonhada oficina e seu nome como mecânica de carros luxuosos para pensar, mas ela sabia que teria de ter paciência. Agora era sua família recém formada que pedia sua atenção. A hora de firmar como profissional chegaria.
"Em todos os meus planos. Agora vou adiá-los, mas não vou desistir, Flame!"
Ele sorriu.
"Essa é a minha garota!" Mais um beijo e ele encostou a testa na dela."Eu só não aceito ficar de fora dos seus planos. Conta comigo. Sempre!"
E lhe deu outro beijo, dessa vez cheio de promessas sensuais. Flame a pegou no colo e a colocou no primeiro jipe que encontrou. Arrancou a toda para a cabana, com Victoria rindo.

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