O dia seguinte parecia ter chegado mais cedo. Raios de sol desciam as suas cabeças. Ainda que não tão quente, ardia em muitos. Barnes e os oficiais estavam sem blusas e a pescar numa das pontas da ilha, quando, a uma longuíssima distância, observou algo boiando próximo a margem de areia. Seus olhos fixaram-se no que quer que fosse, e logo chamou pelo nome de Larsson, que veio ao seu encontro. O marujo estava apenas com cueca que mais parecia um short. O louro logo notou o boiar a qual o capitão mencionava. Assim, os marinheiros apertaram bem a vista.
— Parece uma pessoa, não acha, capitão? – perguntou o sueco de cueca, e Sullivan o olhou de cima a baixo, sem entender as roupas. Ou melhor, a total alta delas.
Barnes gesticulou aos companheiros e logo correram em direção. Demoraram uma boa minutagem. De fato, estavam do outro lado. Logo, o restante das pessoas dirigiram seus olhares ao trio de oficiais, que corriam pela areia em alta velocidade. Quando perto chegaram, o corpo estava com a cabeça – logicamente, para a água, e suas costas boiava contra o sol.
— Estão pensando a mesma coisa que eu? – perguntou Sullivan, e Larsson e Barnes o olharam secamente. Estavam certos.
O capitão puxou o corpo para trás e logo o virou. O fino casaco vermelho e o short jeans completamente encharcado. Quando viraram, tratava-se do jovem turco Burak Çakir, com uma corda enrolada ao pescoço firmemente e jogado ao mar. Barnes o analisou, mas claramente já era tarde demais. Estava morto. Havia se suicidado, melhor dizer. Ainda que eles, ali presentes, não tinham certeza disso, todos os tripulantes se aproximaram. A imagem, de um jovem com toda a vida pela frente, como um nada a frente de seus olhos, passava algo doloroso e angustiante para todos ali. Barnes, como em poucos momentos de sua vida, deixou que suas lágrimas escorressem. O marujo casca grossa fora tocado, e sentia-se culpado em certa parte. É o terceiro a nos deixar, pensou, fechando os olhos. Sullivan e Larsson colocaram as mãos no ombro do amigo, enquanto Watson puxou ainda mais o corpo para verificá-lo. Notou, que, numa região próxima as pernas, ainda que afundado na boa areia, havia uma pequena elevação. Cogitou ser algum bicho que gozava do habitat, mas meteu-lhe a mão e puxou. Era a caderneta onde Evelyn, a escritora inglesa, escrevia e anotava diversas histórias. Todos olharam ferozmente para pobre coitada, mas o ex-militar interviu. Ao abrir em seguida o objeto, havia uma anotação.
"Confesso que não consigo pensar em nada melhor para escrever. Apenas sinto uma enorme dor em meu peito. Um grande vazio, como se houvesse um buraco por aqui. Não sou mais a mesma pessoa de antes. Também tenho que ser sincero. Na noite passada, por um motivo que não cabe a mim explicitar aqui, me esgueirei pelas matas sem permissão enquanto a grande maioria dormia. A vigia não me pegou. Se serve de ajuda para vocês, vi pegadas enormes ao que acredito ser o leste. Era como se o Donkey Kong estivesse passeando por aqui. Tenham cuidado."
Watson devolveu o objeto de anotações para a inglesa. Barney ficou ainda mais sentido, e seus dois amigos do mar o acalmaram. Não é sua culpa.
Os oficiais pediram que Wilson realizasse uma espécie de missa em homenagem ao falecido, mesmo este sendo um homem cujas raízes religiosas eram totalmente desconhecidas e a provável causa da morte seria suicídio. O senhor, pacientemente, atendeu aos pedidos, e por volta de uma hora depois, reuniu todos próximos a antiga embarcação. Fizeram uma breve oração. Muito bela e tocante, que durou por volta de trinta minutos. Em seguida, o corpo do turco fora coberto por trapos e lençóis, amarrado e jogado ao mar.
Barnes se reuniu com o restante dos marujos, Watson e Evelyn, pedindo para que a inglesa explicasse do que se tratasse Gytrash a qual ela havia citado na ocasião passada. Dado o apoio dos três outros marujos e a concordância do ex-militar, todo o grupo foi agrupado dentro da embarcação, onde a bela moça lhes contou a respeito do folclore britânico e a existência de Gytrash. Um fantasmagórico e folclórico personagem inglês, no qual costuma tomar a forma de um cachorro, cavalo e até mesmo mula. Invariavelmente na cor negra, com olhos avermelhados e que costumeiramente é associado e ligado ao Diabo. Suas aparições se dão na maioria das vezes ao norte da Inglaterra, e sempre fora considerado um presságio da morte. Muitos povos tentaram contra argumentar a maldição do personagem, alegando que Gytrash costumava ajudar viajantes perdidos, enquanto outras histórias confirmavam que o dito cujo conduzia as pessoas a morte e má sorte ao entrarem em contato direto com a criatura.
Logicamente o medo se alastrou ainda mais pelos tripulantes, e um longo e terrível silêncio se fez presente pelos próximos segundos, até que finalmente Charles teve a óbvia dedução de que estavam perdidos em uma ilha próxima a Inglaterra. Entretanto, Louis, professor de Geografia, teve de intervir e discordar veementemente de Charles, o professor de História. Segundo o estudioso da área, seria impossível que estivesse numa região próxima a dos britânicos. Claro, o barco e jornada seguia em direção a formoção submersa na costa de Yonagumi, a mais meridional das ilhas Ryukyu, ainda no Japão, ficando ao leste de Taiwan.
Segundo o professor, seria tecnicamente improvável, impossível. A chance de estarem em terras britânicas seriam de 0,1%. Barnes concordou em seguida. O trajeto não fazia sentido ou ligação alguma, e a brutal tempestade não teria força ou capacidade de levar a embarcação de um lugar para o outro de tal modo.
A teoria fora refutada em questão de minutos, eBarnes decidiu, por vontade própria, que todos devessem dormir, e amanhãfinalmente partiriam no corrigido e reformulado barco, mas pediu encarecidamente uma última conversa antes de retornarem aos mares.
Toda a tripulação foi posta na parte interna, contrariando o óbvio, e tudo se tornou apertado e desagrádavel. Mas um pouco mais seguro, acredito. Enquanto duas pessoas realizaram a guarda naquela noite, sendo os próprios Louis e Charles, que obviamente trocaram ideias e teorizaram a respeito da localidade exata. Por volta das três horas da madrugada, ainda que não soubessem o horário, claro, o japonês Ieyasu subiu até a parte superior, onde acabou entrando a discussão e contando diversas histórias a respeito do Japão, rendendo uma absoluta e interessante conversa onde reuniam um nativo nipônico, e professores de Geografia e História. O asiático, também interessado no debate a respeito de suas posições no globo, concordou que a ilha logicamente não pertencia as terras inglesas.
Já no compartimento onde todos dormiam – ou tentavam – o brasileiro Cláudio e o português Manoel cochichavam próximo as paredes da esquerda do banco, e o tuga estava muitíssimo mais amedrontado que o outro. Mais velho, o jornalista do Brasil tentava passar tranquilidade ao camarada, e que tudo acabaria no dia seguinte, quando retomariam a viagem.
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A Ilha da Loucura
AdventurePor volta da década de 90, o Capitão John Barnes e mais dezesseis envolvidos saíram em uma viagem de busca a respeito do desaparecimento de um companheiro de trabalho. Jonathan Hill e sua tropa marítima de exploração havia se aventurado em um estudo...