Sob o Mesmo Céu

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"O fim... Este pode ser um novo começo".

A frase estampada na faixa sobre a placa de publicidade em um dos prédios em minha frente indicava que as coisas estavam diferentes.

Naquela noite, a temperatura era bastante baixa e a neve começava a se acumular nas ruas. O inverno estava começando. Eu podia sentir o cheiro do gelo em minhas narinas quando respirava, uma respiração pesada e gélida que fez meu corpo congelar por dentro.

Eu não sabia dizer como tinha chegado lá, mesmo assim decidi caminhar. Reconheci de imediato o lugar onde me encontrava, a West Jackson Boulevard, no coração de Chicago. Contemplei o local rapidamente e distingui cada um dos grandes edifícios comerciais que me cercavam. Conhecia aquela avenida.

O que mais me chamou a atenção foi o enorme silêncio numa das avenidas mais movimentadas da cidade. O céu estava cinza, nuvens escuras cobriam o sol e eu não sabia se era manhã ou tarde. Mesmo assim não havia nada funcionando. Os prédios tinham a maioria das luzes apagadas, as ruas estavam desertas e nenhum carro passava pelo local. Mesmo com a nevasca comum entre os meses de dezembro e janeiro e a recomendação das autoridades e dos chefes de segurança a cada inverno pesado para que todo mundo ficasse em casa, muitos sempre se aventuravam em sair, provando que Chicago nunca para como toda grande cidade.

Só que algo parecia diferente.

A neve ainda caía em partículas finíssimas, mas que aumentavam conforme o vento soprava mais forte e gelado. O branco nas calçadas e no asfalto não era total e não oferecia riscos para ninguém. Observador como sempre, perguntei-me o motivo de o lugar estar tão deserto quando meus pensamentos fugiram de mim assim que ouvi um ronco de um motor de automóvel rasgando a quietude da noite. Assustado, corri para trás de uma das colunas da fachada do Dunkin' Donuts. Alguns segundos depois, eu vi um carro preto virar a esquina, parando um pouco depois de onde eu estava. Notei uma pessoa saindo do automóvel, utilizando roupas de frio. Um amigo meu me disse uma vez que as pessoas sempre ficavam mais bonitas no inverno, pois o frio fazia com que a maioria se vestisse de forma mais elegante.

Não consegui reconhecer quem era de início, já que ele estava de costas. Foi quando ele se virou para a direita que o reconheci. Fiquei perplexo.

Imaginei que eu só podia estar sonhando. Não havia outra explicação para o que via. Só que tudo era real demais para considerar a possibilidade de ser um sonho. A realidade presente no local era algo fora de qualquer ideia que se tem de sonhos, pois eu via as luzes com muita perfeição, ouvia o barulho do vento, meu hálito saía congelado, o frio adormecia meus dedos...

Mas quem estava acabara de sair do carro era eu mesmo! Eu não tinha um irmão gêmeo. Sequer tinha irmãos. Aquela pessoa me fez sentir que era eu, mesmo com o visual diferente. Os cabelos não estavam penteados para o lado como de costume, usava uma calça jeans escura, casaco preto e um par de luvas. E onde estavam os óculos? Se fosse eu, como estaria ali sem os meus óculos? Nunca saía de casa sem eles. A fisionomia também era diferente. Parecia triste e muito abatido.

O Eu do Sonho (não sei como chamá-lo, não é todo dia que essas coisas acontecem por aí) caminhou lentamente. Permaneci agachado, andando para frente, tentando acompanhar. Pude ver a mim mesmo quatro metros à frente, caminhando a passos largos e firmes em linha reta. Avancei lentamente, à medida que o outro fazia o mesmo. Ele parecia bastante determinado. Havia carros parados e nenhum dono por perto. A neve acumulada no capô indicava que eles estavam ali havia um bom tempo. Não tinham sido apenas estacionados, mas largados. Por quê? Se fosse uma fuga de última hora como eu via nos filmes, haveria carros parados no meio da rua, ou em frente aos semáforos e haveriam colisões em alta-velocidade, causadas pelo desespero. Tudo continuava em ordem. Estavam estacionados, mas sem seus donos por perto. A situação me fez lembrar de um amigo da escola. Se ele estivesse do meu lado, diria que Chicago estava vivendo um apocalipse zumbi.

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