Terremoto

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Os raios de sol eram cortados pelas sombras das árvores pelas quais Patrick passava. Em sua caminhada, ele só olhava para baixo, para as folhas secas que repousavam sobre a grama curta. Desde o terremoto na noite anterior, vagou pelas ruas até chegar até o único local tranquilo que ele conhecia, o cemitério. Sentia fome, caminhava com dificuldades, estava sujo e tinha arranhões e hematomas pelo corpo.

Sua única companhia era o medo. Medo que sugava suas forças, trazia desespero e pavor e o fazia chorar sempre que se lembrava do acontecido. Sem os pais para ajudá-lo, não tinha ninguém com quem pudesse contar, já que sua família o olharia com desdém ao descobrir o que ele fez.

"Assassino!", iria ouvir de tios e primos. A dor ia corroer até os avós que também o odiariam depois que soubessem do ato que praticou. Em sua mente sabia que não havia mais volta. Estava sozinho.

Patrick vestia jeans azul, agora sujo de terra, com rasgos no joelho e um novo um pouco a cima do lado direito, adquirido após o terremoto. A camisa preta estava rasgada no colarinho e no ombro. No meio, uma estampa relacionada à sua banda de rock favorita. Uma forte dor de cabeça o acometeu naquela manhã e pareceu piorar quando entrou no cemitério. Tirou do bolso um frasco amarelo de Amitriptilina. Desejou água para ajudar a ingerir o medicamento. Não encontraria por ali. Parado em frente a uma lápide, deixou uma lágrima escorrer de seu rosto, enquanto fitava o nome de Thomas Keller. Ele não fazia ideia de quem era, mas ficou ali, olhando para a lápide e imaginando que logo seus pais também estariam enterrados.

E eu nem vou poder me despedir deles.

A terra já tinha tremido algumas vezes, era verdade, mas, há dois meses e meio, tudo começa a piorar, principalmente quando Annie e Larry Donovan descobrem toda a verdade por trás dos tremores. Patrick passou a se considerar um sujeito amaldiçoado, procurando evitar as pessoas na escola e em casa, isolando-se de tudo. Perdido no meio de sua aflição, não percebeu que isso só fez com que as coisas ficassem ainda piores, pois seus pais (os únicos que ainda pareciam querer sua presença por perto) passaram a tentar se aproximar diversas vezes, seja para chamá-lo para comer, para ir para a escola ou para, pelo menos, sair do quarto. Nada foi válido. Chegou a ouvir sua mãe aos prantos no corredor, ouvia seu pai dizer que ia marcar uma consulta com um psiquiatra mais uma vez. Não tiveram tempo para nada disso. Sempre que chorava, Patrick sentia a terra sob seus pés, como se alertasse que ele era perigoso a todos, inclusive à natureza. E, na noite passada, quando seu pai tentou arrancá-lo à força do quarto, num ato desesperado de amor e preocupação, Patrick gritou e esperneou...

Foi a última vez que viu sua família. Após um forte estrondo, o teto desabou como se fosse folha de isopor. O piso se abriu e Patrick rolou para baixo da cama se protegendo instintivamente. Como que por um milagre ou por castigo, ele sobreviveu, ao contrário de seus pais que não tiveram a mesma sorte. Lembrava-se do olhar vazio de Larry já sem vida, coberto de sangue e escombros, e de Annie que, ao ser resgatada pelos bombeiros, não eram mais que um corpo completamente deformado, sem um dos braços e com a perna esquerda dilacerada. Parte da cabeça também não existia mais. Patrick fugiu antes mesmo de ir para o hospital. Fugiu para um futuro que ele não fazia ideia o qual seria.

Sentia-se um indigente, transitando às escondidas, evitando encontrar pessoas. Sentia fome e sede e sabia que não tomaria um bom banho tão cedo. Teve sorte pelos ferimentos superficiais e... Sorte?, pensou ele. Os meus pais estão mortos e eu falo de sorte?

Foi tudo culpa minha...

– Ei, garoto.

Uma voz feminina o assustou. Patrick ergueu a cabeça, guardando o frasco com os comprimidos no bolso outra vez. Encontrou duas pessoas de pé em sua frente. A mulher era negra, de cabelos cacheados, aparentava ter mais de vinte anos de idade, usava um par de brincos prateados e não parecia ser muito amistosa. O homem ao seu lado era branco, alto e calvo. Possuía um nariz achatado e lábios grossos. Olhava para ele apertando os olhos por causa do sol.

Sob o Mesmo CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora