1. Já acabou com o seu estoque de xingamentos?

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Odeio Cherrysville. Odeio Cherrysville. Odeio Cherysville.

Afundo as botas cano alto no gramado da minha nova casa, sentindo o cheiro de húmus invadir minhas narinas.

Ugh.

E pensar que eu achei que não fosse inspirar esse odor nunca mais. 

- Quer ajuda, querida? - minha mãe pergunta, enquanto eu permaneço intacta demais para aceitar a situação.

- Só se for para voltar para Nova Iorque. - Bufo, estupefata, analisando tudo o que me levara até o contexto atual.

- Você sabe que logo estaremos de volta, filha- mamãe responde e eu me sinto uma completa estúpida quando ela diz isso.

- Desculpe - falo e ela assente com a cabeça, como se estivesse cansada demais para brigar. E, a julgar pelas olheiras e, pior, pelo cabelo amarrado em um coque alto (isso nunca aconteceu antes), ela está, sim.

- Deixa que eu pego, Gen. - Meu padrasto, Richard, puxa uma das malas das minhas mãos e eu o agradeço com um aceno de cabeça.

Depois, tudo acontece rápido demais.

Minha mãe e ele caminham juntos até a entrada da casa enquanto meu avô os abraça e dá batidas demoradas nas costas de Richard. Eles comentam sobre alguma coisa que faz a minha mãe rir e eu respiro fundo quando vejo os olhares se voltarem para mim em tom de curiosidade, como se estivessem esperando que eu fosse fugir ou algo do tipo - e, por mais que eu queira, não o faço. Na verdade, realizo o oposto ao arrastar a minha bolsa até a entrada da longa construção vitoriana. E, enquanto ando pelo que parece uma eternidade, posso reparar no quanto o meu avô está diferente.

Parece fraco.

Seu corpo está mais magro do que consigo me lembrar e posso ver a marcação dos ossos dos membros superiores contra a camisa larga. Há um aspecto cansado em seu rosto quase inexpressivo. E está pálido. Pálido demais.

- Vovô! - Eu corro para os seus braços e me demoro em um abraço apertado mas cauteloso, enquanto ele afaga meus cabelos e diz que não mudei nada.

- Continua a mesma garotinha de sempre, Genevieve - comenta ele, segurando as minhas mãos, enquanto tenho uma súbita vontade de chorar.

- A diferença é que agora me chamam de Gen - brinco, arrancando um sorriso dele e forçando um também.

- Gen? - Ele arqueia as sobrancelhas grisalhas, surpreso. - Esse povo da cidade grande inventa cada coisa.

- Eu gosto. - Dou de ombros, porque nunca me senti confortável com Genevieve. Na verdade, nunca gostei de fato do nome. Era como se não pertencesse a mim e eu mal podia esperar para completar vinte e um e muda-lo de uma vez por todas.

- Aposto que sim. - Meu avô fecha a porta da casa atrás de nós, enquanto Richard sobe as escadas com as malas. - E aposto que também está odiando ter que vir para cá... Você sabe, esperar a minha morte e tudo o mais - sussurra ele, para a minha completa surpresa, me deixando boquiaberta.

Acho que minha respiração para por um segundo e parece que minha pressão também cai, porque é como se eu fosse desmaiar a qualquer momento. Ninguém da família jamais comentava sobre o assunto... Pelo menos não assim, tão diretamente. E então, lá está o meu avô, dizendo as palavras dessa forma, quase que cortantes, como se fossem leves demais.

- Vovô... - eu sibilo, ainda tentando processar o que ele acaba de falar.

- Ah, qual é? - Ele começa a gargalhar e eu expresso um semblante confuso. - Um velho homem não pode mais fazer uma piada? - finaliza ele, dando um beijo na minha bochecha como se fosse mesmo muito engraçado e deixando a sala logo em seguida, enquanto eu continuo lá, parada e sem reação.

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