16. Ninguém além de nós dois

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Melhora da Morte.

Há um termo na medicina que explica a prosperidade repentina de um paciente grave seguida pela sua morte.

É uma definição simples e rápida e parece até inofensiva. Então, o problema dela é que você não dá muita importância até acontecer diante dos seus olhos.

Anthony Young morreu numa madrugada fria do mês de junho. Não houve nenhum grito ou alarde, ele apenas estava dormindo e então não acordou no dia seguinte.

Algumas pessoas dizem que essa é a melhor forma de se deixar a vida, mas eu acredito que elas estejam erradas porque dessa maneira não há tempo para despedidas. Eu não o vi em uma cama de hospital e ele não foi encaminhado para uma cirurgia. Eu não disse palavras significativas, além de amenidades fúteis sobre um programa que passava na tevê. Nós não nos abraçamos por tempo o suficiente e eu nem pude ver o rosto dele sabendo que aquela era a última vez.

Rápido demais.

Isso foi tudo.

Então, quando ouço o barulho das botas da minha mãe contra o chão é como se ainda não acreditasse que está realmente acontecendo.

- Não podemos nos atrasar, querida - adverte ela, colocando um sobretudo preto por cima da blusa. A voz é delicada e calma.

Verena Young mantém um sorriso contido nos lábios desde quando soube que teria que preparar um funeral, no começo da manhã, e um monte de gente veio até a nossa casa prestar condolências. Ela acolheu a todos da melhor forma e nem sequer protestou. Mas eu sei que está agindo de tal modo apenas porque tem lidado com isso no automático - o que é meio irritante para mim, que tenho vontade de gritar a todo momento.

- Acho que não vou, mamãe.

Eu sinto as lágrimas quentes inundarem minhas bochechas pela milésima vez no dia. Três tentativas fracassadas de fazer uma maquiagem decente.

-  É claro que sim. - Ela seca meu rosto com um lenço umedecido e então aplica um pouco de pó nas minhas bochechas. - Temos que ficar juntas hoje. Não consigo sem você, ok? - E me encara, séria. No fim das contas, comprimo os lábios e anuo, deixando que ela me maquie.

Não faz frio. O tempo está nublado, mas não chegou a chover de fato. Há uma névoa branca por boa parte do cemitério em Cherrysville, que circunda o emaranhado de pessoas em roupas pretas nessa tarde. Todo mundo já está sentado em cadeiras perfeitamente organizadas quando chegamos.

Um padre começa um discurso geral sobre perdas, mas não presto muita atenção. Depois, ele fala um pouco sobre o meu avô de uma forma bastante íntima, como se eles realmente tivessem sido amigos por um tempo.

Em seguida, é a vez da minha mãe. Eu vejo a forma como ela aperta os dedos ao redor da saia antes de começar, o meu peito dói. E, conforme ela continua, sinto que cada parte de mim dói também. Não é como nenhuma outra dor que já senti antes, porque é pior.

Eu sei que devo me manter firme, porque mamãe está com olhar veementemente direcionado ao meu, mas não consigo. Não quando ela começa a falar sobre todas as vezes em que vovô brigou com ela quando esqueceu de regar as bromélias do jardim. É uma lágrima solitária, mas, ainda assim, está lá. E minha mãe parece perceber, porque ela engole em seco por um longo momento antes de continuar o discurso.

Depois dela, é a minha vez, mas minhas pernas não se movem. Não tenho forças para me levantar da cadeira e ela assente de longe para mim, como se dissesse que está tudo bem. Então mamãe está quase se despedindo de todos quando ele aparece.

Callum está usando um terno preto e gravata da mesma cor. Eu não o tinha visto ainda, mas a forma como ele se move a passos lentos do fundo das fileiras de cadeiras até o começo é impossível de não olhar. O cabelo está bagunçado e a gravata estupidamente torta, mas não parece se importar. As olheiras no rosto sugerem que ele não dorme bem há dias e há algo em seus olhos que confirmam tal fato. Como se estivessem sem vida.

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