18. Nunca foi sobre o lugar

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Eu posso me acostumar.

Eu consigo me acostumar.

Eu vou me acostumar.

É o que digo para mim mesma pela milésima vez nessa segunda feira.

Percorro os corredores da Serenity Magazine com dois grandes copos de café e forço o meu melhor sorriso mais uma vez.

- Bom dia, senhora Morgan. - Estendo o líquido para ela, que me encara por cima dos óculos de modo crítico. Ela é a minha chefe na revista e é super exigente. Do tipo que me faz tirar quaisquer tipos de acessórios e...

- O cabelo - murmura, voltando a encarar a tela do computador em seguida. - Prenda-o mais alto.

E com isso eu sei que o meu dia está oficialmente começando.

- Ela gosta de você - Evan, meu colega de trabalho, sussurra ao meu lado, lançando-me uma piscadela divertida.

- Dá para perceber - respondo, de modo irônico, afundando o corpo na cadeira.

- Acredite quando eu digo - reforça ele. - Se ela não gostasse, você nem sequer estaria aqui. Especialmente com essas botas...

Botas.

Estou usando as mesmas botas que Piper fez um comentário sarcástico há alguns meses. Nada demais, eu sei, mas é estranho como qualquer coisa me faz lembrar da minha vida antiga, em Cherrysville.

No começo, achei que essa sensação logo iria embora. Sabe, quando você passa por uma grande mudança e demora para desapegar de fato. Mas agora já fazem seis meses e eu sinto como se isso nunca fosse deixar de ser temporário.

Não é como se eu não estivesse feliz por estar tendo a oportunidade da minha vida. Puta que o pariu, eu trabalho numa das melhores revistas do país e isso é foda para cacete! Tenho todas as chances de crescimento na melhor cidade do mundo, mas ainda assim não é como se eu estivesse totalmente bem. E isso me faz sentir como uma maldita ingrata.

E eu sei que deveria estar pulando de felicidade todos os dias e que tinha que agradecer todas as vezes que cruzasse a portaria, mas a verdade é que isso é tudo o que eu tenho. Porque, quando chego em casa, me sinto um lixo. Completamente solitária. Talvez seja culpa, eu sei, especialmente porque eu me afastei de Maddison e de todas as outras pessoas do meu antigo círculo de amizade. Não fazia mais sentido, eu não me sentia mais bem ao lado delas e não via mais motivo para continuar forçando relações que não me permitiam ser eu mesma.

Como com Piper Eddison, uma das únicas pessoas que consigo me abrir e que faço questão de conversar todos os dias.

- Você precisava ver a cara do Matt quando ele achou o teste no banheiro. Foi tipo ''Ai, meu Deus, eu vou ter que vender toda a minha coleção de jogos de vídeo game''.

- Ele não sabia o significado de negativo? - Eu apoio o celular na caixinha de suco, enquanto almoço. Nós conversamos todos os dias por chama de vídeo nesse mesmo horário e é quase um alívio para mim quando a ligação começa.

- Ele não sabia nem o que era um teste! - esbraveja Piper, rolando os olhos. - Antes de eu explicar, ele pensou que era um termômetro.

- Não acredito que vocês duas vão ficar falando mal de mim bem na minha presença - grita Matt, aos fundos, e Piper vira a câmera para ele, que está jogando vídeo game.

- Ele é sempre tão dramático assim? - Sorrio  para a minha amiga, que faz uma careta divertida.

- Pior. - Ela bufa. - Ei, espero que não tenha se esquecido da minha formatura. Sinto falta de alguém para dançar comigo até o amanhecer. O Matt é meio preguiçoso, você sabe - zomba ela e posso ver o loiro retrucar aos fundos.

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