Aquele tripulante era estranho, mas havia sido requisitado pelo próprio rei. Aloys não conseguia entender o porquê, mas o recebeu em sua embarcação.Um mago, de mais ou menos um metro e oitenta, com roupas de seda negra que lhe cobriam dos pés à cabeça. Era visivelmente um luceno, escamas vermelhas, mas tinha características demoníacas como os chifres longos e castanhos.
Seus olhos eram de um púrpura profundo, os dentes pontiagudos e o rosto austero e marcante. Não tinha barba, apenas as escamas marcando a face, mas trazia cabelos longos e negros, presos em uma trança dentro do manto. Não falava muito, mas Aloys o sentia percorrendo tudo com o fogo violeta em seus olhos.
- Quais assuntos teria com Vossa Majestade, meu senhor?- Perguntara Aloys, desconfiado mesmo com o selo régio em mãos.
Era um navegante sátiro bem experiente, baixo e atarracado, com um olho de vidro e uma barba risurta que surgia perto dos chifres de bode.
Lentamente o mago lhe ofereceu o olhar, um brilho o percorreu e os dentes formaram um sorriso.
- Sou Tyesgard de Villia, nasci no Velho Mundo para além do Grande Mar, como um navegador conceituado você deve conhecer Villia. Por minha sabedoria, fui reconhecido por Sua Majestade e convocado, assim atravessei as tormentas para chegar até Dewfort.- Contou o mago, agora reconhecido como Tyesgard.
- Sim, conheço Villia, uma bonita cidade construída por monstros no Velho Mundo. Não ofereceram nenhum apoio para seu próprio povo contra os humanos, pelo contrário, se aliaram aos humanos de olhos puxados em seu continente.- Disse Aloys, de sombracelhas franzidas. Apesar de tudo tinha orgulho de sua terra.
- Villia não é uma cidade militar, tanto que se submeteu ao Império Qyn em troca de proteção. A cidade fornece suas coisas para o mundo, e próspera mais do que vosso reino.- Suspirou Tyesgard. - Oque talvez seja preciso mudar, e quem melhor do que um conselheiro do rei para isso?-
E saiu andando, para dentro de seus aposentos, Aloys apenas observou, confuso e pensativo. Talvez fosse impressão sua, mas...
O homem não tinha sombra.Aquilo havia sido bastante claro e perceptível quando ele se moveu para abrir a porta. Talvez tivesse algum motivo, não iria se assustar. Era um convidado de Sua Graça, deveria ser tratado com cortesia.
E assim foi, comendo bem e jogando cartas com o imediato, o capitão e o timoneiro, enquanto a tripulação lutava contra os mares revoltos da região. Os sessenta remos da galé "Meretriz" rasgavam as ondas do litoral monstrio, as velas abertas em dias de vento, de tecido branco.
Não encontraram tempestades até depois de saírem do Mar de Corvos, após aportarem em Melro e seguirem viagem reabastescidos. Raios e trovões cortavam as nuvens, o céu berrava contra os marujos.
- Continuem o curso! Cuidado para não caírem ao mar!- Berrava Aloys, firme ao se segurar no mastro. Os homens trabalhavam puxando as cordas e tentando impedir que o navio afundasse, o casco balançava perigosamente, as ondas faziam a madeira ranger e respingos salgados molharem a face tanto quanto as gotas de chuva.
Ao longe, na proa, um homem estava parado olhando calmamente para a tempestade. Tyesgard não parecia se afetar pelo navio balançando, seus cabelos voando. Parecia em paz, mesmo que o caos estivesse ao seu redor.
- O mar se enfurece com a falta de sacrifício!- Berrou o bruxo, por entre os rugidos na natureza. Ergueu os braços e fez um movimento como se atirasse algo ao mar, fez outros movimentos, erguendo os membros para o alto e os lançando para baixo em fúria.
O céu se dividiu de imediato, como se tivesse agarrado as nuvens e as rasgado como algodão, a tempestade cessou em seguida e ventos calmos surgiram. Toda a tripulação estava admirada com o bruxo, apenas Aloys rangia os dentes, havia sido magia.
- O que você fez?! Magia no meu barco não é algo que eu possa tolerar, deveria cortar sua garganta e te atirar ao mar!- Disse o capitão.
- Dei ao mar oque ele desejava, meu capitão, e agora estamos salvos. Acha que o navio suportaria a tempestade?- Questionou o bruxo, e novamente se retirou para seus aposentos. Deixando uma aura de mistério no ar, Aloys não sabia oque pensar.Cortornaram o Cabo do Último Dente, fazendo a parada em uma fortaleza sem nome que havia sido asgaética há um milênio atrás. Estava praticamente em ruínas, mas o vilarejo em seu entorno ofereceu suprimentos.
A costa era pedregosa e descarnada pelas ondas, ventos e Sol, as falésias cinzentas se erguiam alto sob a cabeça dos homens na praia mais abaixo, praia essa que era engolida quando a maré subia. O bruxo novamente observava à proa, como um falcão solitário trajado com as vestes já gastas pela maresia.
- Alguns de nós não sobreviverão...- Anunciou Tyesgard, pouco antes de zarparem.
- Mais um?- Questionou Aloys, que já perdia cada vez mais o ceticismo perante o mago. Aquilo era aterrorizante, a sabedoria oculta daquele ser. Pouco depois da tempestade, perceberam que um homem havia caído ao mar durante ela, e quando encontraram o corpo...
O cadáver era uma coisa mutilada e sua face era irreconhecível, o único detalhe que os permitiu confirmar sua identidade foi um broche. Cortes profundos em forma de galhos cobriam a carne, a pele pálida estava cheia de manchas azuladas e o corpo parecia estar morto há semanas. Tyesgard nada disse, mas Aloys entendeu.
- Não sei quantos, mas vão perecer alguns. Estejam preparados e coloquem um bom olheiro na gávea essa noite.- Dissera sombriamente.
Com essa certeza, partiram mar adentro, entrando finalmente na Garganta do Dragão, chamada também de Mar da Garganta. Os mares dessa vez estavam calmos, mas um nevoeiro cobriu os céus nesse dia, ocultando qualquer visão que pudessem ter.
Ninguém falava na embarcação, o silêncio era angustiante e o cinza se estendia até onde podiam ver. Aloys começava à ficar inquieto em sua cabine, talvez fosse possível que acabassem ancorado nas ruínas de Asgaet ao invés de Trigendolf.
- Acho vejo algo, meu senhor...- O grumete dissera, assustando a tripulação, mas quando foi chamado não soube explicar. Foi açoitado, mas Aloys sabia que realmente algo poderia ter sido visto.
- Açoitar inocentes não é algo capaz de apaziguar deuses e espíritos, capitão.- Disse Tyesgard, em tom de escárnio. Aloys odiava como ele parecia saber mais do que dizia.
- Deuses e espíritos não nos ajudarão no mar, senhor, isso eu sei.- Resmungou o velho sátiro.
O luceno ergueu as sombracelhas, com a surpresa estampada em sua face escamosa. Ele deu um sorriso com os dentes afiados.
- É oque pensa, senhor, nesses mares eles estão sempre à espreita e agora...decidiram acordar.- Antes que Aloys perguntasse, os marinheiros gritaram de horror.
- Você....é você...- Compreendeu, e soube que estava certo quando o bruxo gargalhou. O capitão do navio desferiu um soco na face do luceno e correu para ver.
Uma besta colossal, com imensos tentáculos cinzentos, brotava da água da forma aterrorizante. Sua forma não era vista, somente as estruturas terríveis que se ergueram acima do mar.
Não houve tempo para qualquer decisão, um dos tentáculos desceu contra a embarcação e fez seu casco em pedaços como se fosse nada. Homens morreram ali mesmo, outros tentaram correr por suas vidas.
- Eu avisei, capitão...o mar precisa de um sacrifício...- Uma voz diabólica e distorcida soou atrás, Aloys rapidamente se virou para Tyesgard, mas oque viu era uma outra criatura demoníaca.
Não parecia físico, era um monstro formado por sombras fumegantes que se erguiam até o céu, com inúmeros braços formados por trevas. Um rosto e um corpo tão translúcido quanto um esqueleto estavam dentro de toda aquela matéria, e o rosto era o do bruxo.
- ...e os espíritos também querem os seus sacrifícios...- Sussurou o demônio, e Aloys tentou correr desembestado. Escorregou em algo, talvez água ou talvez sangue, as tábuas vieram de encontro ao seu rosto.
O braço de trevas se enrolou em sua perna e o puxou para si, enquanto o capitão tentava se agarrar no convés.
E acima de tudo, a névoa
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A Coroa do Domínio - Livro Dois
AdventureA coligação liderada por Gerald de Elizaet é derrotada na Batalha de Aledrac, o cerco à Última Cidadela é intensificado firmemente. Dezenas de milhares de monstros ainda aguardam o momento para derrubar a cidade. Enquanto isso, a guerra continua no...