Capítulo XII - Vales de Sangue

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                  Deixaram uma tempestade torrencial para trás, que lavou todos os campos às suas costas.

                  A água alagou vales, fez o leito dos rios transbordar e lavou as preocupações dos homens. Adultos se lavaram como crianças, rindo e brincando, à chuva que lembrava a de suas terras natais.
                Suas armaduras, marcadas pelos embates recentes, receberam as lágrimas dos deuses e dos homens. Os estandartes do dragão foram abaixados por um tempo, e a marcha teve de parar em uma vila abandonada, alguns se refugiaram nos casebres.
                 Darkus, no entanto, cavalgou por entre os homens que montavam duas tendas sob o céu cinzento. Trajava armadura simples, e os cascos de seu cavalo sulcavam a terra enlameada, a montaria de Aella com a própria cavaleira sob si acompanhava seu trote.
                - Você não devia estar na chuva, Darkus, encontrei uma boa casa para esperarmos a chuva passar.- Aella vinha desde o início da cavalgada tentando colocar bom senso na mente do rapaz.
                - São meus homens, eu devo cavalgar entre eles e os conhecer. Como vão seguir alguém que não conhecem nem o rosto? Não tenho sangue da realeza, eles me seguem unicamente pela esperança em mim...- Soou como Gerald, sabia, mas no fim era um pensamento do próprio Darkus.
                Aella se surpreendeu, levou a mão enluvada até o rosto e tirou as mechas que aderiam à face. A garota deixara os cabelos crescerem bastante, e tinha um arranhão recente na bochecha.
              - Então você quer ser um líder amado, Darkus, e eu sei que você tem qualidades para isso. Mas vamos voltar logo, não quero você pegando uma gripe..- Ela colocou a mão sob seu ombro, Darkus sorriu.
               Precisaria de amigos quando os tempos ruins viessem, se é que já não tinham chegado.

               No dia seguinte, voltaram à marchar na distância de Dentestrela até o Vale de Nehel, e Darkus tinha o pensamento ao longe enquanto com os pés presos aos estribos. O cavalo deixava o campo enlameado para entrar no começo do terreno irregular, já marchavam há dois dias.
                Pela primeira vez em tempos, sonhou. Dentro de seu sonho sentia os cabelos correrem pela sua mão, ouvia uma doce respiração e inspirava um doce perfume, quando acordou nada viu. Darkus olhou para sua mão e depois para o horizonte além da tenda, e localizou a direção que queria. Seu coração bateu com mais força.
                 Azuria Cromwell estava em Radriel, provavelmente, enquanto ele estava na guerra. Talvez ela tivesse ouvido as notícias da Batalha de Aledrac, e então acharia que o Bastardo de Primavera perecera e desistiria dele. Sentia que devia chegar até ela de um modo ou de outro, devia retornar para o norte um dia.
                " Eu não estou morto, mas eu morri. Eu morri e renasci..." Pensou Darkus, um tanto tolamente naquela madrugada " As cinzas de Aledrac...o cadáver de Gerald...eu realmente morri ali..."
                   O escuro também o lembrou Trono de Ossos, lembrou a sua espada entregue pelo dragão. Se ainda a tivesse ali, mesmo que fosse uma maldição, poderia ser diferente. Poderia ter mais coragem.
                 - Com dificuldades para dormir, irmãozinho?- Aelin ali estava, se sentando do lado de fora da tenda. Darkus a olhou por um breve momento, mas logo olhou para si mesmo.
                 - Ternorum disse que eu tenho magia em mim...mas como? Não sou um mago, Aelin, e a coisa mais mágica que eu tinha me foi tirada.- Darkus ainda não se entendia. - O que sobrou dessa magia?-
                  Aelin olhou para ele com intensidade, dessa vez não tinha um sorriso zombeteiro como sempre. Estava séria, como se preocupada ou até temerária.
               - Eu não acho que você perdeu sua magia, você tem algo em si, Ternorum enxergou isso. Você tem olhos de sangue, mas isso apenas indica algo mágico mas irrelevante demais para uma profecia. As profecias foram esquecidas, a última foi há mais de cem anos.-
                - Que profecia foi essa? Ela tem algo haver com...uma coisa que pode acontecer recentemente?- Perguntou Darkus.
                - Já ouviu falar do Grande Conselho da Montanha, Darkus? O Grande Conselho dos Reis Foi há cento e dezessete anos, na época em que Vhagar era o Aethehyl, O Rei do Rio. Foi oque marcou o fim da Era das Guerras e o início da Era da Ascenção.
                " Lá estavam, pelos relatos e pelo que eu mesma soube após longas pesquisas nos registros, os reis de Hyldren(recém unificada), Galantine, Northungart(destruída no ano seguinte), dos Elfos e de Florence. Todos decidiram pôr fim à guerra, para dar a paz aos homens, mas não por pura benevolência... não..havia um grande motivo. Foi a profecia que uma bruxa, uma grande bruxa, fez na Montanha Mais Alta para todos os homens que usavam coroa."
                  Darkus fez um silêncio ansioso, o bastardo queria saber o resto. Sentia conectado com aquela história.
                - A profecia era sobre um reino unificado do monstros, e um exército grandioso deles. Um exército que iria varrer os homens e derrubar até a última herança de Asgaet, menos o seu sangue. Os Reis dos Homens formaram suas alianças, Hyldren e Florence viraram um reino e Vestroya se tornou amiga dos elfos até o fim de seus dias.-
                   Darkus se ergueu e saiu da tenda, para encarar Aelin de verdade.
                 - Vestroya ainda não está nos fins de seus dias, a cidade ainda está lá e sua família real vive.- O bastardo falou, já esperando por algo grandioso.
                  Aelin, finalmente, deu um grande sorriso. Seus cabelos balançaram ao vento que prenunciava uma grande tempestade vindoura.
                 - Se é assim, então a Velha Asgaet ainda existe. Sabe por que Nova Asgaet tem esse nome?- Não houve espera de resposta, a bruxa somente se retirou.

A Coroa do Domínio - Livro DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora