Dois Meses, Poucos Dias e A Falsa Promessa

136 22 0
                                    

Apertei minhas mãos na beirada da poltrona, tentando organizar meus pensamentos, tentando não entregar-me ali mesmo. Levi se levantou e foi até o armário de arquivos, procurando algumas pastas que possuíam outras informações sobre nossos perfis. As fichas já não eram o suficiente?

- Suspeitamos desde o sumiço de Kira - ele começou, passando os dedos pelas letras das pastas no armário. - Mas esses dois sempre foram ótimos soldados, não queríamos acreditar.

Ele parou na letra "R", e arrancou uma pasta do meio de outras. Colocou-a em cima da mesa e voltou a procurar.

- Aconteceu muita coisa ontem. Decidimos contar-lhe apenas hoje - engoli seco ouvindo.

"O que está acontecendo?"

- Erwin não permitiu que você estivesse junto. Ele sabia que vocês tinham criado um bom laço - Levi pegou outra pasta e jogou em cima da mesa, essa indicando a letra "B" em sua capa, e se sentou de volta na poltrona.

- Levi, desembucha logo. O que foi que aconteceu? - eu estava ansiosa, mas parecia que ele conversava comigo por códigos de tão complicado que estava de entender.

Seus olhos acinzentados se fixaram nos meus; me fazendo queimar de ansiedade por dentro e eu desviei o olhar. Péssima hora; péssima hora! Ele quase nunca fazia contato visual, o que foi agora?

- Reiner e Bertolt se transformaram na manhã de hoje - Levi soltou. - Eu também não estava junto, apenas recebi um mensageiro. Levaram Eren mas não foram bem sucedidos; não sabemos para onde irão agora.

Quase perdi todos os meus sentidos quando ouvi as palavras de Levi. Como?! Como assim haviam se transformado? Levi só podia estar blefando, só podia ser uma grande piada.

- Levi, seu senso de humor é péssimo - respondi, me negando a acreditar em tudo aquilo.

Voltei meus olhos aos seus e ele ainda me encarava sério. Então eu percebi que tudo era terrivelmente verdadeiro.

- Tivemos várias baixas, e o restante da tropa está voltando. Erwin se machucou, não sei ao certo a gravidade, mas precisamos nos preparar para o pior.

- Levi, que porra você está falando? - falei com o tom alterado e me levantei da cadeira, batendo minhas mãos em cima de sua mesa. Não era possível que ele falava sobre aquilo com tanta naturalidade, como se fosse algo normal.

- Esther, se acalme - ele ordenou, mas eu não obedeci. Meu corpo não respondia aos meus comandos.

Respirei rápido tentando organizar minhas idéias; tentando agir com o máximo de racionalidade possível, mas nenhum pensamento de fato racional chegava em minha mente.

Me lembrei de Levi dizendo que os dois fugiram. Pelo menos isso. Mas para onde iriam? O que fariam agora? Reiner se esgotaria de tanto correr, ou morreria fora das muralhas! Bertolt também, e eu sequer poderia ajudá-los, ou no mínimo morrer junto. Estou aqui dentro, servindo para literalmente porra nenhuma!

Outra parte de minha mente me trouxe para dentro das muralhas em questão de segundos, e eu me recordei dos olhos castanhos de Jean. Por favor, que nada tenha acontecido com ele, por favor! Tudo menos ele!

Tudo menos ele, Esther? E sua família?

- Esther! - Levi gritou, me trazendo de volta de meus pensamentos bagunçados.

- Levi, por favor, me diga que nosso time está bem. Por favor! - implorei, me derramando em lágrimas.

Percebi que eu me preocupava de verdade com todos que conviviam comigo. Aqueles demônios agora eram parte de mim, e apesar da minha obrigação e missão, eu não queria perdê-los.

Levi se levantou de sua cadeira e sentou-se no braço de minha poltrona. Abraçou meu corpo com força, de um jeito demasiadamente desengonçado e suspirou fundo. Não entendi o que estava acontecendo comigo, mas eu me sentia em casa dentro daquele abraço.

- Esther, se acalme, e não se culpe - o abraço não durou muito tempo. Levi não levava jeito para abraços, mas minha situação era tão crítica que talvez ele tenha sentido a necessidade.

- Levi, eu nunca sirvo para nada! Nada! É tudo culpa minha! - rosnei, esfregando os olhos com força.

- Pare com isso, merda.

---

Levi mandou-me de volta para o meu quarto, me deixando descansar até que todos os outros voltassem. Eu nunca me perdoaria se algo pior acontecesse a Reiner ou Bertolt. Nunca!

Algo maior ainda me incomodava e eu não conseguia controlar. Os olhos de Jean apareciam em minha mente em todo o tempo. Sua imagem tomava conta dos meus pensamentos e eu podia jurar que quase sentia seu cheiro perto de mim.

"Se organize Esther! Ele pode ter morrido, sua idiota".

Sequer consegui tomar um banho. Desci até o pátio central da entrada do alojamento e por ali fiquei. Uma; Duas; Três horas. Quase adormeci sentada nas escadas, mas despertei ao ouvir o barulho de cavalos trotando ao longe. Não quis saber como meu corpo estava, muito menos minha mente; apenas corri até os cavalos no horizonte, até que meus pulmões se cansaram.

- Jean! - gritei, correndo entre cavalos e homens, checando soldado por soldado. Estavam todos absurdamente feridos. Avistei um homem de cabelos loiros em cima de um dos animais, com o braço completamente ensanguentado. Comandante?

- Esther?! - ouvi sua voz à minha frente, e desviei meu olhar em sua direção. Estava intacto, inteiro. Estava vivo.

Ignorando completamente a promessa que fiz à Reiner, corri até os braços de Jean.

Drowning (Parte I) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora