dez | O espelho e a minha morte

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O cheiro de fruta podre estava por todo lugar, entrava em minhas narinas e queimava meu cérebro, assim como a dor forte em meu quadril e bochecha. O odor ferroso e enjoativo de sangue, também infestava o ar.

Antes de abrir os olhos, apurei a audição e me concentrei no tato. Ainda estava escuro, porém eu sentia gosto de sangue em minha boca, o líquido quente e liso escorrendo por entre meus cabelos, rosto e na ponta dos dedos. Não ouvia mais o riso louco, porém não fiquei esperançoso de ele ter ido embora.

Escutei um resmungo dolorido, só então lembrei de Cedro. Abri os olhos, todavia a escassez de luz dificultava minha visão. Tentei me mover e tudo doeu.

— Você está vivo? – o buscador indagou, sua voz rouca e arranhada.

— Hum – resmunguei de qualquer jeito, já que até mexer os músculos vocais, doía.

Mesmo com a dor nublando meus pensamentos, canalizei magia, pronunciando as duas palavras do feitiço de cura, de primeira classe, da água. Senti a mágica fluindo com lentidão por causa do estado de meu corpo e demorou uns segundos até minha luz vermelha iluminar o interior do colche e mais alguns segundos até percorrer meus ferimentos, fechando-os.

Minha respiração engatou ao que ouvi passos do lado de fora, e não tive tempo de fazer coisa alguma. Logo a porta de madeira  branca foi quebrada e um braço moreno me puxou pelos cabelos, arrancando alguns fios no processo e arranhado minhas costas também.

Era Kadhir, e assim que me tinha fora do veículo, sentado no chão, ajoelhou-se para ficar mais perto de mim, para começar a me examinar como uma mãe preocupada. Passando suas palmas grandes e ásperas por meus braços, tórax, pescoço e rosto.

Assustado, afastei suas mãos de mim, engatinhando para longe do homem sorridente.

— Não precisa ter medo – o Desviado falou, sua voz me causando arrepios por ser rouca e medonha.

Fugi outra vez, agora me escondendo atrás do colche de rodas para cima, porém foi uma má ideia. O cocheiro estava ali, a centímetros de mim. Seu rosto pálido como papel, a expressão vazia, se assemelhando a um boneco de cera. Os olhos com pupilas dilatadas, fitavam o nada, e os cabelos, antes rubros e bem penteados, agora eram  pretos e apontavam em todas as direções.

Amedrontado e cheio de adrenalina no organismo, olhei para os lados, buscando uma rota de fuga plausível. O bosque que protegia Kolaustro estava a alguns metros, e mesmo que não parecesse atraente pela falta de luz, era minha única solução.

— Não vou machuca-lo – o homem falou ao meu lado, me fazendo estremecer. — Não precisa temer.

Minhas mãos tremiam, minha pele grudava de suor e meu coração parecia se chocar contra minha caixa torácica.

— É tão bom saber que está vivo – sorriu largo e cheio de dentes. Os olhos grandes e expressivos mal piscavam.

Eu estava apavorado e culpo o medo por meu gesto seguinte. Ergui minha mão canhota em sua direção, ele achou que eu estava pedindo ajuda para levantar, chegou a me estender sua destra, porém, rápido e preciso, pronunciei um feitiço de corte e um flash de luz vermelha o atingiu em cima da face, deixando um ferimento comprido e fino, que ia do queixo à testa, passando pelo nariz e olho direito.

Sem tempo para me arrepender naquele momento, me levantei correndo, fui para a porta aberta do transporte e tentei puxar Cedro para fora. O rosado estava desmaiado e com um buraco na têmpora esquerda, por onde saía muito sangue.

Bento Gowdin e os Sobrenaturais || A flor divinaOnde histórias criam vida. Descubra agora