catorze| Petros Leneu

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No fim das contas, Daniel, por ter Alta Capacidade, teve de curar-se sozinho, pois seu corpo rejeitaria a magia de Tulipa e eu me mostrava pouco disposto a ajudar. Ainda estava me sentido estranho com o acontecimentos de recente, mesmo que não entendesse os motivos para tal.

Como prometido, chagamos à estalagem ainda no início da noite e agora, Tulipa, Daniel e eu estavamos sentados em um banco de madeira gasta, vendo Ulisses sorrir para a recepcionista de cabelo verde e crespo. Não dava para ouvir o que eles diziam, mas dava para ver o sorriso canalha do homem e o riso lisonjeado da moça. Nem precisava ser um gênio para deduzir que o acinzentado lhe jogava charme.

Não muito tempo depois, o adulto veio até nós, girando no dedo indicador uma chave enegrecida.

O lugar não era decadente, porém não era luxuoso, acho que a palavra que se encaixa bem é modésto. Era grande, com dois andares, madeira nas paredes e assoalho. Algumas tábuas soltas que rangiam sob nossos pés e um cheiro forte de produtos de limpeza se espalhava por todos os cantos.

Diferente do que achei, quando subimos a escada de degraus bem espaçados e entramos no quinto quarto do andar, não achamos camas, sim seis redes de tecido grosso, atadas de uma parede à outra.

— Você falou algo sobre cama — Daniel se dirigiu ao homem.

— E eu menti — sorriu sem mostrar os dentes. — mas sinta-se a vontade para dormir no chão, se quiser.

Controlei o riso que queria escapar, mas falhei ao que minha amiga riu alto.

— Eu pedi serviço de quarto — Ulisses disse, já sentado em uma das redes. — O jantar chegará às sete. A comida daqui não é muito boa, porém dará até retomarmos   a viagem e sairemos antes que os hóspedes voltem do vilarejo, por volta das duas da manhã.

— Por quê? — indaguei, tendo uma suspeita do que se tratava. — São criminosos?

— Da pior estirpe — concordou, abrindo um pouco os olhos para dá ênfase à fala.


• • •

Mesmo cansado não consegui dormir e as poucas vezes que consegui, o sono foi tão leve que acordei com meu próprio ronco. O pior, era que dessa vez não tinha pesadelo ou pensamentos demais povoando minha mente, era a sensação de perigo iminente. Os alertas brilhavam em meu inconsciente e isso me puxava para fora do sono, me deixando levemente irritado.

Sentei na beira da rede, me curvei para pegar minha varinha perto do tênis, no chão e saí do quarto, descalço e tentando pisar fora das tábuas soltas para que  elas não me denunciarem.

Não era um corredor longo ou largo, só tinha cinco portas de cada lado e no fim dele, uma sacada com cortinas leves e claras, se balançava com a brisa noturna e foi para lá que me dirigi.

O caminho era iluminado por luminárias amareladas e graças à elas pude ver um assento de madeira e tecido vermelho, grande o suficiente para quatro pessoas e estrategicamente posicionado para fora.

A vista era bonita.

Dava para ver estrelas piscando. Ouvir os sons de insetos e pássaros da noite. Ao longe, mais ao leste, era possível ver luzes por entre as árvores, me levando a deduzir que se tratava do vilarejo que Ulisses mencionara.

Aproveitei-me de um vento calmo para inspirar com força. O cheiro de magia estava por todo lugar e de tanto conviver com ele, quase não o sentia mais e a sensação de familiaridade que sentir ao pisar no reino, se tornara ainda mais forte. Ali, não existia o incomodo que me perseguia do Lado de Fora, ou o sentimento de estranheza. Ali eu não era esquisito ou anormal, eu era só mais um, ou não, pois me destacava, mas não me importava com essa parte.

Bento Gowdin e os Sobrenaturais || A flor divinaOnde histórias criam vida. Descubra agora