Mustafá, depois de me beliscar, chamou Ulisses para uma conversa particular e estava no papo há alguns minutos. Tentei fazer leitura labial e só conseguir rir de minhas falhas. O guia até tentou manter uma postura neutra, mas em determinado ponto do diálogo ele olhou em minha direção, com olhos banhados de confusão e receio.
O esverdeado deu o assunto por encerrado, girando o corpo para render o guia, com uma adaga rente ao seu pescoço. No mesmo instante os outros homens nos cercaram e o cara gordo que mostrara minha cicatriz, bateu com força contra minha nuca.
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Eu não acordei de uma vez, tive lapsos de consciência, onde percebi estar em movimento e ouvi frases soltas de indivíduos que não identifiquei.
Eles deveriam está extintos!
Temos que matá-lo.
Tudo pode ser arruinado.
Frases encorajadoras e bem explicativas.
Quando meus sentidos voltaram por completo, demorei algum tempo para me situar, pois estava suspenso pelos pés, mãos amarradas pendendo para baixo, boca tapada com um pano e algo preto impedia minha visão.
Durante a Idade Média, cristãos acreditavam que; se cobrissem os olhos das bruxas, as impediriam de fazer suas mágicas e assim estariam protegidos. E é o mesmo princípio para os Sobrenaturais. Podemos usar magia para fazer vários truques simples, todavia feitiços e mágicas mais elaboradas careciam dos elementos da natureza e, principalmente, da visão. Então, eu estava de mãos atadas, quase que literalmente.
Mesmo com toda adrenalina correndo em minhas veias, respirei fundo para manter a calma, procurando me concentrar para apurar meus sentidos. Senti um cheiro forte de tabaco, ervino e madeira. Ouvi vozes abafadas, barulho de chuva e um ronco baixinho.
Mexi as mãos e as cordas apertaram mais. Balancei as pernas e ouvi o tilintar das correntes. Movi os braços para tentar tirar a venda e a mordaça, porém algo limitou-me. Resmunguei uma reclamação e praticamente me fingi de morto ao escutar passos pesados.
— Não acho isso prudente – uma voz masculina e desconhecida disse.
— Você não entendeu, querido – Mustafá falou perto de mim, tanto que senti seu hálito de tabaco. — Podemos vendê-lo.
— Você enlouqueceu?! – o outro questionou com exasperação. — Se cair nas mãos dessas pessoas pode significar o fim deste mundo. Devemos matá-lo.
Tentei não me abalar com tais palavras, mas era bem difícil.
— Preston está a caminho – disse Mustafá e ouvi um farfalhar pesados de tecidos. — Amor, é a nossa chance. O venderemos por uma boa quantia e sairemos deste lugar. Podemos ir para sua terra natal.
— Não seja ingênuo! – bradou alto o suficiente para estremecer meu corpo. — Você chamou um maldito Desviado para cá, sabe que Preston é uma máquina de morte. O que lhe faz pensar que não nos matará ao ter o garoto?...ou pior, se estivermos enganados e esse menino não for o tal Abel?!
O silêncio caiu sobre o casal e eu prendi a respiração em expectativa. As novas informações e lembranças de meu encontro com Kadhir giravam ao redor de minha mente, fazendo meu raciocínio tentar encontrar alguma conexão entre os dois.
Aparentemente eu era valioso para os Desviados e pensar nos porquês me deixava enjoado, afinal não tinha nada que elucidasse o motivo. Tudo o que eu tinha eram perguntas.
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Bento Gowdin e os Sobrenaturais || A flor divina
Adventure(CONCLUÍDO) ✨FINALISTA DO PRÊMIO WATTYS2022 Bento não tem grandes expectativas sobre mais um domingo comum na cidadezinha onde vive com a tia, sua vida não é regida por emoções e ele prefere assim. Depois de acordar de mais um de seus rotineiros pes...