onze| Um gato preto

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Em meu sonho, eu estava em um lugar estranho. Vagava por corredores pouco iluminados, que lembravam os de Kolaustro. Sentia dores no corpo como se tivesse sido espancado. O medo me consumia como um monstro faminto. Lágrimas desesperadas rolavam por minhas bochechas. Minhas mãos trêmulas tentavam aquecer meus braços nus,  subindo e descendo por eles, mas falhavam. Minhas pernas cansadas e bambas, sucumbiram ao peso e acabei por cair no chão de mármore bem polido. Me sentindo fracassado e esgotado, ali chorei um pouco mais. Desesperado, pedindo em silêncio por um socorro que chegava nunca. A dor psicológica e física se misturavam em uma dança doentia, indo de um lado para outro em meu corpo.

Tudo era real demais.

As lágrimas, o medo, a dor, o desespero... Tudo queimava em minha pele como brasa.

Quando abri os olhos para fitar o teto escuro, senti o suor sendo expelido com força, molhando meus fios negros e pescoço. Meu coração pulsando forte, respiração ofegante e o medo se esvaindo aos poucos.

Esses pesadelos me acompanhavam desde a infância, as sensações eram tão esmagadoras, que sempre me deixavam cansado emocionalmente e como Cedro me avisara, eles diminuíram comigo externando magia, porém, além de não sumirem totalmente, sempre se tornavam mais frequentes quando eu passava por alguma situação estressante; como o ataque de Kadhir ou a previsão do espelho, no mês anterior. Quando eu aceitava a situação de perigo, passava noites e noites tendo um sono tranquilo, todavia, eu ainda não tinha aceitado totalmente que morreria com minha varinha cravada em meu peito, por isso aqueles pesadelos vinham pelo menos três vezes por semana.

Com a respiração já normalizada e quase livre do medo, virei-me na cama e franzi o cenho por ver alguém saindo do quarto. Confuso, me ergui para ver qual lugar estava desocupado, mas nenhuma cama parecia vazia. Pensei por instantes se seguia ou não a silhueta, e acabei por levantar, calçar meus chinelos e sair porta a fora, atrás da sombra.

Saí do quarto já tarde, acabei por não ver ninguém no corredor iluminado pelas bruxelantes luzes avermelhadas. Não desisti, segui pelo carinho que levava à escada. Do alto, pude ver alguém abrir a porta do saguão e sair para a noite. Dessa vez não hesitei. Apressei o passo para descer os degraus e logo estava passando para o lado de fora do prédio.

Na penumbra, não consegui reconhecer a pessoa que andava na minha frente, e tudo piorou quando ela passou pelo refeitório, indo direto para o gramado que separava a Área Aberta das demais construções, no entanto agora sabia seu destino.

Cortei caminho e fui direto para baixo dos bancos da arquibancada.

As luzes da Área Aberta estavam ligadas, por isso não foi difícil de ver o príncipe sentando sobre a mesa do professor, folheando um livro de capa preta. Segundos depois, Alfredo passou pela entrada e se juntou a sua dupla.

Tiveram um breve diálogo, do qual não tomei conhecimento por estar longe, porém reparei que ambos usavam moletons e tinham os cabelos bagunçados.

Não demorou para Daniel se pôr de pé e erguer sua destra em direção ao outro e mesmo sabendo o que estava acontecendo, decidi esperar. Vi a luz verde do nobre fluir de sua mão e ir para Alfredo, o envolvendo por completo. Quando se dissipou, enxerguei meu colega de quarto apenas da cintura para cima.

— O feitiço do ar, da invisibilidade – reconheci de imediato, mas algo saira errado, pois só metade do meu amigo não estava a mostra.

Bento Gowdin e os Sobrenaturais || A flor divinaOnde histórias criam vida. Descubra agora