Estou me desprendendo de você.
Já dependi de ti como se custasse minha vida perdê-lo para qualquer coisa que fosse — mas hoje, vejo que você perde feio para todos os pedaços que deixei naqueles lugares (e naquelas pessoas) que você conheceu tão bem.Estas pessoas, por si só, influíram em minha vida por tempo demais e de formas tão profundas que não consigo descrever, pois transbordei de tanto ouvir suas projeções, inseguranças, angústias e opiniões acerca de mim. Sem muitas opções, criei esse vício contínuo de achar que os outros que me definiam melhor do que eu mesmo, já que não conseguia me enxergar por essência. Gosto de acreditar que foi neste meio entre o que eu via no espelho e o que eu realmente sou em que você fazia morada.
Eu vivia a flor da pele. E nem percebia que, a cada vez que ria, precisava chorar. Nem percebi que, a cada vez que me calei por fora, estava ardendo por dentro. Eu não entendia nada.
Penso sobre isso enquanto olho para lugar nenhum. Todas as noites, lembro de você, delas, deles e de qualquer outra coisa que me preocupa ou que assombra meu presente. Porém, depois de tanto tempo enxergando o lado de fora, comecei a olhar para dentro e ser mais gentil comigo — aceitando que irei continuar a sentir algo estas coisas que me fizeram tão mal, e tudo bem. Elas foram importantes para o meu desenvolvimento, então é uma mentira dizer que não sinto absolutamente nada por elas. Já me basta entender que, ainda que eu acredite que possa existir algo de bom nisso, não me cabe fazer parte disso, já que não faz bem para mim.
Neste tempo em que olhei para mim, mal notei que já se passaram quase dois anos desde que saí daquela cozinha. Parece que foi ontem que eu chorei por mim na frente daquela chapa, enquanto fritava ovo naquelas noites sem fim. Relembrar de tudo isso, com mais calma e muito mais a par do que aconteceu, só me fez lembrar o quando eu valho a pena. O quanto tinha razão sobre a maioria das coisas, mas não sabia como externalizar este sentimento dúbio de compreensão. Eu tinha — e ainda tenho — essa necessidade de entender.
Porém, eu não me permiti. Não porque faltou coragem (quem não se lembra de quando mandaram com que me comportasse?) mas porque faltou saber. Já era tarde demais para tentar manter um diálogo quando entendi que o ódio dançava ao meu redor — e eu, cego, entendia como forma de amor. Eu era apenas uma criança quando tudo isso começou, e nem sabia do que se tratava porque absorvi tudo que fizeram comigo, e passei isto adiante, acreditando cegamente na ideia de o que vivi na minha infância não tinha tanta força no presente. Agora que tudo isso já virou passado, sei que isto faz parte do meu caminhar, e não posso voltar a cair no erro de esquecer, já que, quando fui o eu que viveu aquilo tudo, nada fazia sentido. Estava tão perdido que nem sabia por onde começar a trilha para achar quem eu era, e, como a única referência que eu tinha era a de seguir os passos dos meus familiares, continuava a tentar seguir caminho pela trilha do amor, visando encontrar a minha metade. Talvez tenha sido ali mesmo, naqueles poucos 14 anos, que decidi... batalhar pra arrumar alguém e que comecei a viver pela metade — isso senão bem antes, quando fui reprimido por chorar, por ser afeminado, ou por sentir o tempo todo que era diferente do "normal" dos meus colegas do fundamental. Agora que cresci, vejo que tinha razão sobre isso — mais ainda porque tive coragem de questionar o tempo todo o que era, de fato, certo. Acho que até hoje eles não têm muita certeza sobre quem são. Não que isso me conforte, mas me faz entender que eu já era completo desde muito cedo. Sempre tive essa impressão de que marcava a vida das pessoas de alguma forma, porque sempre fui muito presente e já causei muitos incômodos por aí. Acho que esse é o preço de ter tentado ser eu mesmo do jeito que era possível.
É por isso que deve ser muito difícil viver por si só, já que você é constantemente barrado por alguma coisa. Por conta disso, as pessoas perdem o seu tempo ocupando-se com outras porque sabem que, se ficarem sozinhos, terão de lidar com elas mesmas. Desde cedo fui obrigado a lidar comigo, já que era o centro das atenções em quase todo lugar que estava. Porém, tenho certeza de que existem formas melhores de conhecer a si mesmo sem precisar passar por tudo que vivi. Infelizmente, escrevo estas palavras convicto de que a próxima sociedade vai herdar essa mesma doença, já que é muito fácil ter controle sobre sua vida quando você não sabe quem é de verdade.
Termino essa reflexão dizendo que não sei de tudo, porque ainda não cheguei no final, também ciente de que, depois desse final, surgirá um novo começo. Desde muito tempo atrás eu já havia mandado sinais para mim de que havia algo de errado, mas só consegui entendê-los há pouco tempo atrás. Por consequência, fico feliz por finalmente ter uma resolução do que tanto procurava por uma resposta, e sinto que estou mais forte por saber e entender cada detalhe da minha jornada até aqui. Agradeço a Gilmara, minha psicóloga, por ter me ajudado com este feito. E agradeço principalmente a mim por ter conseguido ser corajoso o suficiente para olhar para mim mesmo no espelho tempo suficiente para enxergar você. Sou grato pelas boas intenções que você teve, afinal, foi por sua causa que consegui segurar as pontas por tanto tempo, mas você não pode ter mais espaço na minha vida. Conviver contigo custou muito de mim, e agora que estou me recuperando do estrago que você ajudou a causar, não faz sentido querer continuar te considerando como estilo de vida. Esse molde não me cabe.
Conheci pessoas, coisas e lugares do teu lado. Agora, quero conhecer estas mesmas coisas do melhor lado da vida: o meu.

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[sem título]
RandomSendo esta uma lixeira de textos que não se encaixam em lugar algum, [sem título] é uma coletânea de qualquer coisa que saia do metódico padrão do autor de poemas ou textos. Imprevisíveis, assim como o seu conteúdo, as postagens podem sair às quatr...