Patrono

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Esse eu dedico a mim mesmo, ainda que também cai muito bem para um tal de João.

Acho que é uma boa maneira de dizer que, apesar de tudo que aconteceu comigo enquanto convivia com você, eu sobrevivi.

E essa é a maneira mais genuína que encontrei de me ligar ao Menino que Sobreviveu.

— Delgado.

.          .          .

Enquanto viajava pelo passado,
Peguei-me vendo muito mais
Do que apenas o que passou.

Cauteloso, como sempre,
Pois não podem ver que estou aqui,
Senti a nostalgia por trás de todas as horas gastas
Em tantos problemas que ainda continuam sem solução.

Passado, presente e futuro —
Minhas lágrimas não foram o suficiente
Para fazer com que o tempo parasse de andar
E que, tudo que passou,
Não fizesse com que perdesse a crença na felicidade.

Cicatrizes tomaram forma
Como aquela que parecia um raio
Riscado na testa de alguém qualquer
Que mudou todo o mundo.

Sem estribeiras,
Acabou que aceitando qualquer coisa que viesse,
De qualquer lado,
Afinal,
A necessidade era maior do que nós.

Como criança indefesa,
Agarrei-me a estas pontas de alguma coisa com toda minha vida;
Pois, de algum modo,
Acreditei que elas me tirariam da escuridão
E me levariam para longe da realidade que era
Conviver com a dor.

Entretanto, virar o tempo três vezes não bastou —
Uma vez que minha história não se resumia a erros de continuidade,
Tão vazios de sentido
Que eu, por mim,
Os enchi do que sou por essência
— Pois nunca tratou-se de uma questão de tempo e espaço.

No fim de cada dia depois de noites incessantes de pesadelos
Levantei, olhei para mim mesmo e disse que não merecia mais do que sempre tive,
Porque seria egoísta se reclamasse,
Já que sempre tive tudo.

Duvidei da minha intuição,
Deixei com que me definissem,
Menti para mim,
Procurei agradar terceiros,
Tinha vergonha de ser quem eu sou...

...tinha medo.

Medo durante toda minha vida,
Porque você era meu passado, presente, e futuro — e, não satisfeito,
Queria tomar conta das minhas noites, da minha mente
E do meu ser.

Se dependesse de você,
Sei que nunca saberia da verdade, afinal,
Esta era sua arma mais forte:
Pôr a mim mesmo contra meu passado, presente e futuro.

Você não hesitou em tentar sugar
Cada gotinha do trabalho que fiz com tanto esforço e esmero,
Porque tinha inveja do quanto caminhei,
Ainda que continuasse pisando em espinhos.

Após dias sangrando,
O solado do meu pé endureceu
E aprendi a suportar o que ainda espetava minha carne.

Lágrimas que não saíam
Tornaram minha agonia cada dia mais forte, e
Confesso que elas continuam insistindo
Em ficar escondidas nas minhas pálpebras.

Porém, a dor sempre foi impiedosa comigo,
E assolava meus sonhos
E todas as madrugadas depois daqueles dias insalubres
Dizendo a mim que você ainda está aqui
Tomando conta de todos os tempos da minha vida.

Você ainda é toda a minha vida,
Mas, quando olhei para mim mesmo,
Usando aquele boné, crocs e uma camiseta de placa de trânsito
Entendi o que significava
Toda aquela jornada em busca de respostas.

Assim como agora,
É apenas um momento no espaço-tempo
Dentre tantos outros
Que serão, a longo prazo,
Apenas sussuros.

Enquanto você ainda insiste em sugar toda minha alma,
Continuo juntando forças para continuar ligado a este mundo,
Porque sei que eles não gostariam
De jeito nenhum
Saber que desisti.

E, por todos aqueles que foram incompletos,
Mais ainda pelos que deixaram de ser quem eram,
(Sem contar os que ainda estão por vir),
Voltei ao presente, mais forte,
Porque eles não desistiram, portanto,
Eu também não posso.

Foi preciso que viajasse pelo pretérito perfeito,
E vi que no imperfeito,
Havia um passado mais-que-perfeito,
Fazendo um futuro do pretérito,
Que hoje chamo de presente.

Neste passado mais-que-perfeito
Ouvi você perguntando pela minha paixão,
E, paciente, disse que estava encantado com uma nova invenção,
Pois via o vir vindo no vento
Com cheiro de nova estação.

Ciente de que sabia de tudo na ferida,
Viva,
Do meu coração,

Sempre tive certeza de que encontraria uma forma
De defender-me contra os dementadores do passado
Porque o novo sempre vem —
E, hoje,
Cheio de uma nova consciência e juventude
Gritarei, contra as sanguessugas vorazes:

EXPECTO PATRONUS!

[sem título]Onde histórias criam vida. Descubra agora