Capítulo 1

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Todos tem o seu lado obscuro que - desde que tudo dê certo - é preferível não conhecer.

Carl Jung

Rael

— Mãe, volta por favor. Não me deixa aqui. — Lágrimas se formam como ondas a serem levadas pelo vento, quebrando na beira do mar. O pequeno menino, se encontrava indefeso e vulnerável, com um urso nos braços, o apertando com uma força insana, chegando a rasgar por completo.

O medo o assolava, por ser deixado novamente em um orfanato, para meninos problemáticos. Permanecer naquele local, o trazia a tona todos os momentos de choro, medo, angustia de nunca poder ter uma família a sua procura, sendo assim o último a ser escolhido ou largado em alguma rodovia, para procurar um local para morar.

Sozinho, com apenas a roupa do corpo e um envelope com as suas documentações. Sem saber ao menos ler as placas, para ter uma informação de onde estaria indo. Analfabeto, sujo, essa era a imagem que muitos passavam por não ter o cuidado necessário, como aqueles que tinham um dia de beleza, para se mostrar apresentável a seus futuros pais.

Trazendo a concorrência para o dia a dia dessas crianças/adolescentes. A rivalidade, chacota por ter uma história de vida trise, por ser fruto de uma mãe usuária de drogas ou até mesmo por terem sido encontrados em uma lata de lixo, por uma mulher ou jovem que não tinha condições de os criarem. Irmãos que chegavam a ser separados, pois, muitas famílias não queriam laços antigos, como uma lembrança recorrente do passado deles. Essa era a verdadeira vivência dentro de um local como esse, futuros cidadãos, jogados ao esquecimento por seus genitores, esperando seu nome ser chamado para poder começar a sua vida do zero. Levando consigo os traumas e marcas de violência que nunca poderão ser curadas.

Sua mãe ficou estática ao notar o terror nos olhos do filho, mas sentia-se dividida por não ter condições de continuar o criando.

— Rael, filho eu te amo, incondicionalmente, mas não tenho dinheiro o suficiente para manter nos dois. O trabalho que tenho dá apenas para pagar o aluguel, as contas ficariam vindo e nos seriamos despejados por falta de compromisso com o dono da casa. Eu queria continuar te dando todo o amor do mundo que você merece, oh! Filho, a mãe abriria a mão de ter um teto sobre a cabeça para te dar um ensino de qualidade, assim o tornando um homem digno de conquistar o mundo, sem depender de ninguém a sua volta. Podendo um dia me convidar para ir ao seu emprego, mostrar o quanto você cresceu profissionalmente como pessoa. Entretanto, a vida não é como planejamos e sim como o universo a comanda meu amor. Hoje nós nos despedidos, para daqui a dez, vinte, trinta anos nos reencontrarmos e sermos livres para ficarmos unidos. Saiba que eu sempre o amarei, não importa o tamanho da distância, o amor de uma mãe por um filho a súpera todos os dias, por uma eternidade se for possível. Tchau Rael.

Ana sai pela porta o deixando com o coração partido, sabendo que o passado dele iria retornar, como uma escuridão o querendo por completo e ela não seria capaz de lutar contra isso. Por saber quem é sua verdadeira genitora e está mais perto do que todos podem imaginar. Seu peito grita para pegar o seu menino e sair daquela cidade sem rumo, sem algum objetivo em mente, apenas ela e ele. Por quanto já esteve em seu lugar, saber que alguém não a quis, jogou para a assistência social da maternidade cuidar de seu destino. Contudo, o mundo dá voltas, ou podemos dizer ele capota verdadeiramente.

Caminha até o ponto de ônibus, esperando o seu para ir a seu serviço, que era mais conhecido como um purgatório. Por trabalhar em uma casa de stripper, como dançarina exótica. Começou nesse ramo quando tinha apenas 18 anos. Uma menina pobre, sem condições de ter uma vida melhor, escorraçada da casa dos pais por estar grávida de um rapaz que não lembra o nome, nem ao menos as características.

Tendo que fazer uma simples escolha, viver de doações de uma igreja evangélica da comunidade ou entregar a criança a algum conhecido e recomeçar do zero. Uma nova identidade, cabelo, roupas, porte físico. Não podendo ter contato nenhum com o seu bebê.

Rael após ver a pessoa que mais confiou nessa vida o deixar, começa a gritar se morder, estapear, gritar palavras de ódio para todos, pondo para fora toda a decepção que sentia daquela senhora.

— ME SOLTA CARALHO, EU QUERO QUE AQUELA VADIA MORRA DA PIOR FORMA POSSÍVEL.

Os técnicos de enfermagem ficaram abismados em ver aquele tipo de reação de um adolescente. Resolveram o levar a enfermaria para tomar um calmante, assim podendo relaxar os seus pensamentos perturbados e confusos naquele momento difícil.

Ao chegarem na sala, a enfermeira com aparência em torno de trinta anos, mediana, cabelos em formato de um choque, estava com uma prancheta na mão para anotar todos os dados dele e assim poder o encaminhar para um psicólogo.

— Rael boa tarde. Me chamo Larisa e farei as suas verificações e anotar todos os seus documentos em nosso sistema. – Ela nota a mordida profunda que ele conseguiu deixar em seu braço direito, saindo um pouco de sangue do local, bem saliente e as marcas claras de cada dente. Porém aquilo era pouco, quando nota uma tatuagem de violeta em suas costas, próximo ao pescoço, com algo escrito em alguma língua estrangeira. Parecendo ter um significado bem forte para o mesmo.

— Então Rael, preciso do seu nome completo, idade, data, mês e ano de nascença, o local que residia antes de chegar a nós, o nome de algum responsável que possamos entrar em conato, caso algo aconteça com você.

- Oh minha querida, para com essa ladainha que está me deixando mais estressado. Tenho ninguém para entrar em contato, a única pessoa que tinha morreu para mim. Me chamo Rael Vasconscelos, tenho 16 anos, nasci dia 26/08/2003. Morei aqui em São Paulo mesmo, no bairro do limão. É apenas essas informações que sei. Será que posso sair desse inferno e ir para algum lugar que possa ter um momento de paz e sossego. Já estava de saco cheio de aguentar a pergunta dessa moça sem sal. Até que a piranha tem umas pernas bonitas viu. — Falava colocando a mão no rosto para a baba não cair.

Ela havia percebido seus olhares indecentes, então logo o enviou para o médico evitando qualquer contato, para não ter problemas com o trabalho. Ouvir rumores sobre o caso de uma mulher de trinta anos, ficando com um menor de idade, daria o fechamento imediato do orfanato.

Não demora muito tempo, para ser chamado pelo médico. Doutor Gabriel o atende tentando entender o que aconteceu em seu passado para estar novamente em um orfanato. Mas tudo pode mudar, quando ele recebe uma notícia nada positiva.

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