É mais que um poema

Capítulo 20 - MEMÓRIAS REACESAS

V: Você não acha que é um desperdício de talento ficar parada aqui tão distante, enquanto podia tá arrasando na dança? - Valentina foi se aproximando de Juliana, que estava sentada na areia, a alguns metros da festa, olhando as poucas ondas da maré baixa que chegavam com muito esforço até encostar na pontinha dos seus pés.

Juliana se virou rapidamente tomando um leve susto com a chegada de Valentina e abrindo um pequeno sorriso imediatamente.

V: Tô falando sério. Tá todo mundo me perguntando "ô Valentina, cadê a tua namorada gostosa professora de dança que não tá aqui dançando com a gente?" - Valentina continuou falando enquanto se sentava na areia também.

Juliana arregalou os olhos.

V: O "gostosa" fui eu que acrescentei, claro. - Valentina deu de ombros e abriu seu sorrisinho de canto.

J: A gente tem que saber deixar outras pessoas brilharem né.

V: Como eu? - Valentina se deslocou um pouco na areia se aproximando mais de Juliana ao perceber que tinha sentado muito distante. - E nem adianta dizer que não, porque eu vi você admirando minha performance, tá?

Juliana abriu um sorrisinho tímido e voltou a olhar para o mar.

V: Eu já disse o quanto você tá linda hoje? - continuou puxando assunto sem conseguir tirar os olhos de Juliana, e percebendo que sua namorada não estava ali tão afastada da festa à toa.

J: Sim. - respondeu com o olhar ainda fixo no horizonte, e só depois virou-se para Valentina com um sorriso mais leve - E gostosa.

Valentina não segurou o riso. Estava tão feliz naquele momento, que não conseguia tirar o sorriso do rosto, e muito menos tirar os olhos da principal responsável por fazê-la sentir-se radiante daquele jeito.

Se olharam em silêncio por alguns segundos mais, como gostavam tanto de se conectar. Juliana estava sentada de frente para o mar, abraçando as pernas dobradas, enquanto mexia na areia com os dedos dos pés. A cabeça recostada de lado nos joelhos, olhando e sorrindo para Valentina, que havia se sentado na mesma posição, mas nem ao menos tentou enxergar o lindo mar que refletia a lua cheia naquela noite espetacular, porque para ela a coisa mais bela e brilhante estava bem ali do seu lado.

J: Você também tá linda nesse vestido, sabia?

V: Não é lindo?! Eu amei assim que bati o olho nele. Sabia que ia ser perfeito pro casamento. - Valentina esticou as pernas e puxou um pouco as bordas do lindo vestido estampado que tinha escolhido na semana anterior. - Ele só tem um pequeno defeito - ela se virou para Juliana ainda sorrindo.

J: Humm... ? - Juliana repetiu o gesto, se virando e sorrindo, já imaginando qual seria a resposta.

V: Não consigo tirar sozinha. Preciso de ajuda com o zíper. - Valentina foi baixando o tom de voz à medida que seu rosto ia se aproximando do de Juliana.

J: Valentina...

V: Você acha que pode me ajudar? - continuou praticamente sussurrando, enquanto sua respiração já começava a se misturar à de Juliana.

J: Eu... posso tentar... - respondeu com a fala entrecortada pela respiração que ficava cada vez mais ofegante, enquanto não conseguia tirar os olhos dos lábios de Valentina, que já estavam mais próximos do que seria possível aguentar não tocá-los.

Embora a tensão estivesse praticamente palpável naquele momento, e ambas estivessem com uma saudade engasgada, com o coração quase saindo pela boca, Juliana escutou umas vozes e gritos alegres que pareciam estar ali bem ao lado delas, mas na verdade eram apenas resquícios do barulho dos convidados animados a alguns metros de distância, que foram suficientes para fazê-la congelar e recuar um pouco pra trás, juntando todas as forças que tinha para não se entregar completamente ao beijo do qual sentia tanta falta.

Valentina percebeu sua leve hesitação, mas preferiu ignorar, pois ao contrário de Juliana, não achava que precisava segurar nenhum impulso, e não faria nenhum esforço para isso.

V: Vem cá! - sem pensar duas vezes Valentina segurou Juliana pelo pescoço e a puxou de volta para o mais próximo possível do seu rosto - Deixa eu matar essa vontade que tá me matando.

Juliana tentou resistir de novo, mas sabia que seria em vão. Não achava que podia sentir tanta saudade se um beijo que nem fazia tanto tempo assim que tinha experimentado. Valentina a beijou lentamente, ainda segurando-a pelo pescoço. Encostaram novamente seus lábios, devagar, querendo aproveitar cada milésimo de segundo, matando a saudade de cada milímetro, e foi como se o universo tivesse mais uma vez paralisado, e como nos minutos anteriores em que os convidados foram todos desaparecendo pouco a pouco, só restou elas, o mar e a lua.

A intensidade daquele beijo tão desejado foi aumentando a cada respiração, Juliana até esqueceu os motivos pelos quais tinha se afastado e se isolado da festa. Estava no mundinho delas, e nada mais podia importar. Só conseguia saborear aquele momento, à medida que inevitavelmente ansiava pela hora que precisaria ajudar Valentina a despir aquele lindo vestido.

E em poucos segundos Juliana conseguiu se desconectar de toda angústia que vinha lhe tomando conta, permitiu que seus ombros relaxassem, e que aa expressão rígida do seu rosto desse lugar a calmaria que o beijo de sua namorada lhe transmitia instantaneamente.

Mas não demorou muito para que ouvisse mais uma vez vozes e gargalhadas de convidados que pareciam estar bem ao pé do ouvido. O que fez Juliana recuar imediatamente, como se tivesse até levado um choque, soltando seus lábios dos de Valentina apesar de parecer algo aparentemente impossível de se conseguir fazer naquele momento.

Ela recuou assustada e olhou em volta, procurando alguém por perto, e se dando conta de que não havia ninguém, e todo o barulho continuava sendo apenas os convidados mais animados da festa, que àquela altura formavam uma linda ciranda.

Valentina olhou para trás em direção a festa, assustada pela reação de Juliana, e assim que percebeu que não tinha ninguém, retornou para continuar de onde haviam parado.

V: Relaxa, não tem ninguém por perto. Ninguém tá vendo a gente aqui. - ela puxou Juliana para perto dela de novo pelo pescoço e tentou continuar o beijo.

Juliana se esquivou novamente, dessa vez se afastando um pouco mais para trás.

V: Ok. - Valentina deu um longo suspiro percebendo que tinha alguma coisa errada. - O que é que tá acontecendo?

J: Nada. É melhor eu voltar pra festa pra ver como Miguel tá. - ela tentou se levantar rapidamente e sem olhar diretamente para Valentina, para que ela não tivesse tempo de impedir, mas foi em vão.

V: Miguel tá ótimo Juls! - segurou as pernas de Juliana evitando que ela conseguisse se levantar. - Ele tá lá se divertindo e aproveitando muito a festa. Provavelmente aproveitando muito mais do que você! - ela deixou escapar uma pitadinha de aborrecimento na sua fala, porque não conseguia entender o que estava acontecendo de errado.

Juliana percebeu o leve aborrecimento e deu um longo suspiro enquanto se acomodava de volta na areia e finalmente olhava diretamente nos olhos de Valentina.

V: Eu não quero te forçar a falar nada Juls... mas eu sei que você tá se sentindo incomodada com alguma coisa, que eu sinceramente não faço ideia do que seja, mas... eu adoraria saber.

Juliana continuou em silêncio.

V: Alguém da minha família te tratou mal? Porque olha... é só você apontar quem foi que eu resolvo isso agora mesmo, tá? Não preciso nem de nomes, é só apontar. - ela tentou descontrair um pouco na tentativa de tirar alguma palavra de Juliana

J: Não Val... Claro que não. Muito pelo contrário... sua família é maravilhosa. Todos foram incríveis comigo.

V: Então...? Tá com medo que alguém encontre a gente? Ninguém tá nem aí pra gente aqui, Juls. E se alguém aparecer, qual o problema? A gente não tá fazendo nada de errado... ainda. - Valentina abriu um sorrisinho se aproximando de Juliana, mas ainda sem conseguir arrancar a expressão de angústia que parecia estar consumindo os pensamentos dela.

Mais uns minutos de silêncio total se estenderam. Até Juliana resolver quebrá-lo.